As palavras são um diferencial da nossa espécie, refletindo o que
pensamos e sempre provocando, dialeticamente, novos pensamentos. Foi
Vygotsky quem disse que “uma palavra que não representa uma ideia é
uma coisa morta, da mesma forma que uma ideia não incorporada em
palavras não passa de uma sombra.”
As palavras estão aí. Para o bem e para o mal. Na boca de um Luther
King ou de um Gandhi, por exemplo, ou na pena de um Neruda ou de um
Lorca, elas revelaram potenciais extremos da dignidade e sensibilidade a
que pode chegar o homem. Palavras de conquista. Palavras libertárias.
Não se pode dizer o mesmo dos discursos de um Hitler ou dos sofismas
belicosos de um Bush ou de qualquer dos títeres que a sociedade humana
vem gerando ao longo do tempo, para a sua própria infelicidade.
Palavras de opressão. Palavras infames.
Há palavras de domínio e de submissão, há as que brotam sinceras do
fundo da alma e as que, superficiais, constroem demagogias e
inverdades. Há palavras claras, transparentes, cujo objetivo é
revelar, e palavras obscuras ou camaleônicas, cujo intento é esconder ou
mistificar. Mas há também silêncios significativos.
Nos últimos dias, tive a minha atenção despertada para três
ocorrências que ilustram esse tema. Três situações bem diversas na
forma, no conteúdo e na abrangência.
Uma delas tem a ver com um texto de Caetano Veloso, publicado no
Globo do domingo passado (“Idades”). Um texto interessante, bem
construído, em que o escritor, em uma espécie de “geleia geral” (mas sem
perder a linha temática), mistura momentos de memorialismo com
considerações existenciais sobre os efeitos do tempo, passando por
observações de afeição à gramática, encontrando espaço para menções a
Chico Buarque e Machado de Assis, e fechando a coluna considerando
“lindo o Cristiano Ronaldo e sua difusão mundial da música de Teló”...
Caetano é um artista da palavra que, às vezes, deixa entrever
posicionamentos discutíveis, quando não paradoxais. Um direito
conquistado pelo seu assumido temperamento voltado para o instigante,
para a provocação.
Quase no fim do texto, ele afirma que amadureceu o bastante para
dizer que não acreditava que conceitos como “luta de classes”
explicassem tudo. O suficiente para que o jornal colocasse justamente
tais palavras na chamada da primeira página para o artigo. No meio de um
texto com passagens de absoluta sensibilidade poética, os editores
resolveram destacar o que, no caso, era mais uma digressão do que uma
defesa de tese. Uma escolha infeliz ou premeditada intenção? Sei lá.
Tentar minimizar a existência de conflitos e de interesses
divergentes, quando não totalmente contrários, entre as camadas
privilegiadas da sociedade e segmentos desfavorecidos, entre ricos e
pobres, é um posicionamento típico das elites, como forma, talvez, de
apaziguar sua consciência ou de amortecer reações. Palavras enganadoras,
palavras dissimuladas. De qualquer forma, nesse caso teria sido melhor,
talvez, o silêncio , pois não me consta que alguém de respeito
intelectual tenha dito alguma vez que a luta de classes explica TUDO...
Não explica, por exemplo, uma outra luta, a de Anderson Silva, da
badalada MMA, contra Chael Sonnen. Segundo a mídia, o lutador
brasileiro teria dito, entre outras,as seguintes palavras : “Não tem
conversinha desta vez. Quando entrar lá dentro, ele vai engolir todos os
dentes da boca. Vou arrancar dente por dente. Depois que eu bater nele,
muita gente vai ficar assustada com o que vai acontecer com o esporte.
(...) Perna quebrada, cara quebrada,vou quebrá-lo inteiro”.
Em um artigo que escrevi aqui no DR quando pressenti os objetivos
mercadológicos de impor essa modalidade de luta ao cardápio esportivo
brasileiro, tentei colocar em discussão o que me parecia ser uma
dispensável e perigosa disseminação da violência entre nós, que tanto
nos queixamos dela no dia a dia de nossas cidades. E continuo pensando
que um “esporte” que enseja palavras como as que Anderson Silva
utilizou – com o silêncio complacente da crítica esportiva - nada traz
de positivo para a sociedade. Palavras enfurecidas, palavras de
violência...
O terceiro caso – que também não se explica pela luta de classes -
não tem a ver com o uso das palavras, mas com a ausência delas. Aqui
no Rio de Janeiro, 20 funcionários do restaurante Cervantes da Barra
ganharam, cada um deles , em um bolão da Quina, 635 mil reais. Um
vigésimo primeiro personagem, um copeiro do estabelecimento, que sempre
vinha participando de bolões anteriores e que – segundo afirmam as
reportagens - era um grande motivador do grupo para as apostas, dessa
vez não entrou no bolão, pois estava com dificuldades e não podia
contribuir com os 10 reais necessários. O fato está sendo registrado
como um episódio que envolveu 20 sortudos e um azarado...
E está sendo explorado, como sempre, de forma oportunista e piegas
pela mídia. Correndo o risco de contrariar muita gente, penso,
contudo, que, se for verdade (e isso é importante) que o copeiro
“azarado” era, historicamente, um participante constante e um grande
incentivador para que o grupo seguisse apostando, estariam faltando,
pelo menos até o momento em que escrevo, por parte dos “sortudos”,
palavras de reconhecimento e de comunhão. Em nome da solidariedade da
classe, não custava nada transformar os 20 ganhadores em 21...
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