Por
Jorge Souto Maior, Graça Druck, Lincoln Secco, Paulo Arantes, Marcus
Orione, Luiz Renato Martins, Flávio Batista, Gustavo Seferian, Luis
Carlos Moro.
A
terceirização pulveriza a classe trabalhadora, impedindo sua luta
coletiva (sindical) e precarizando as suas condições de vida e de
trabalho.
Acima de
qualquer retórica de que a terceirização se trata de uma reengenharia
moderna do processo produtivo, essencial à competitividade das empresas,
estando permitida, juridicamente, pelos princípios da livre iniciativa e
da liberdade contratual, o fato concreto é que a terceirização, que foi
introduzida nas relações de trabalho no Brasil em 1974, pela Lei n.
6.019, ampliando seu alcance a partir de 1993, com a Súmula 331, do TST,
que, inclusive, traz a contradição de ter o mérito de restringir a
terceirização, só tem gerado sofrimento à classe trabalhadora, sem
qualquer benefício concreto à economia nacional, sendo que,
juridicamente, fere os princípios do valor social da livre iniciativa,
da melhoria da condição social dos trabalhadores, da função social da
propriedade, do desenvolvimento da economia sob os ditames da justiça
social e da dignidade humana.
Os dados
concretos são inquestionáveis: os terceirizados recebem salários mais
baixos que os demais trabalhadores; são alvo de um número bem mais
elevado de acidentes do trabalho; são vítimas de segregação no ambiente
de trabalho, sendo, consequentemente, alvo do assédio moral provocado
pela invisibilidade e pela forma descartável como são tratados;
constituem a maioria dos trabalhadores resgatados na condição de
trabalho análogo ao escravo; são literalmente jogados de um local de
trabalho para outro sem qualquer previsibilidade ou critério; têm
constantemente alterado o seu horário de trabalho; não recebem direitos
básicos e encontram grandes entraves para cobrar esses direitos, seja
pela dificuldade da ação coletiva, seja pelos problemas de ordem
processual criados pelo numero excessivo de tomadores de serviço ou pela
própria precariedade econômica da maioria das empresas de prestação de
serviços.
A situação é
talvez ainda mais grave no setor público. Primeiro, porque sem o
permissivo constitucional a terceirização no setor público representa um
sério atentado à conquista democrática do concurso público. Segundo,
porque exacerba a lógica da precarização na medida em que a contratação
se dá em favor da empresa que apresenta o menor preço (o que, claro,
também se dá no setor privado, ainda que de forma não
institucionalizada). Terceiro, porque diante das sucessivas trocas de
prestadoras, os trabalhadores acabam ficando sem gozar férias (ainda que
recebam o valor correspondente), o que pode perdurar por anos. E
quarto, por conta do problema adicional de ordem processual, que
dificulta a responsabilização do ente público pelo pagamento aos
trabalhadores dos direitos não respeitados.
A
experiência real da terceirização pode ser verificada nos inúmeros
processos que a cada dia tramitam nas Varas do Trabalho de todo o país,
assim como nos diversos segmentos em que foi implementada de forma mais
ampla.
Ocorre que a
compreensão dos efeitos deletérios da terceirização e demais formas de
precarização está bastante evidenciada entre os trabalhadores e estes já
demonstraram a sua força para, nos últimos anos, barrar os projetos que
visavam minar ainda mais os seus direitos, como se deu, recentemente,
com o ACE e o Projeto de Lei n. 4.330.
No quadro
atual, ademais, a eleição para a Presidência da República é o momento
decisivo para que os trabalhadores deixem a postura defensiva a que
foram submetidos desde a década de 1990 e passem à luta por melhores
condições, que tem como ponto central o fim de toda forma de
terceirização, sobretudo porque, surfando na onda da eleição (e da
eterna “crise econômica”), alguns segmentos empresariais estão se
valendo da sua força exatamente para tentar ampliar a terceirização.
Os problemas
em torno da educação, moradia, saúde e transporte são tão relevantes
para a classe trabalhadora quanto às garantias para sua ação política e a
terceirização é a fórmula básica de uma desarticulação dos
trabalhadores.
Sem
desprezar outras formas de luta, não se pode deixar de perceber que
neste momento o voto representa uma grande arma para os trabalhadores,
sendo que o posicionamento dos presidenciáveis a respeito do tema,
terceirização, que é propositalmente negligenciado nos debates, deve ser
decisivo para a sua escolha.
No Programa
de Governo da candidata Marina Silva há uma clara defesa de ideais
neoliberais. As posições parecem mesmo reproduções do projeto tucano da
década de 90, deixando evidenciada uma prevalência da racionalidade
econômica sobre o humano. Ainda que com esforço retórico faça menção à
preservação de políticas sociais, o conteúdo ideológico do programa se
revela quando, por exemplo, diz que “A formação de capital humano é o
nosso maior desafio”, ou quando escora-se no fundamento típico da
pregação neoliberal da chamada “abertura de mercados”, que, no fundo,
aniquilou a produção nacional e incentivou a especulação internacional. A
respeito, o Programa propõe: “Aumentar a competição internacional em
todos os setores a fim de forçar a eficiência das empresas brasileiras”.
No aspecto
da legislação trabalhista traz a mesma ladainha, utilizada na década de
90 (que já havia sido explicitada no início da ditadura militar), de que
as conquistas históricas da classe trabalhadora serão respeitadas: “O
Brasil conta com uma legislação trabalhista construída ao longo de mais
de 70 anos de história. Ela assegurou vários avanços. Essas conquistas
históricas serão preservadas.”
Chega mesmo a
reforçar a ideia, apregoando que “Assegurar o bem-estar e a melhoria de
vida dos trabalhadores é uma bandeira importante do socialismo
democrático… (….) Daí o compromisso com a preservação dos direitos
conquistados em anos de luta”…
Mas escorrega na vala comum do neoliberalismo ao reproduzir a velha cantilena de que “É necessário atualizar a legislação”.
E por
“atualização”, entenda-se: ampliar a terceirização, no mesmo estilo do
que se defendeu na década de 90. A terceirização aparece no Programa,
mais de uma vez, como uma espécie de pedra fundamental para o aumento do
faturamento das empresas.
Além disso,
reitera-se o argumento principal de que os entraves jurídicos à
implementação de uma terceirização em larga escala representam
obstáculos ao desenvolvimento do país:
“Existe
hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre
terceirização de serviços com o argumento de que as atividades
terceirizadas são atividades fins das empresas. Isso gera perda de
eficiência do setor, reduzindo os ganhos de produtividade e
privilegiando segmentos profissionais mais especializados e de maior
renda.
Disciplinar
a terceirização de atividade com regras que a viabilizem, assegurando o
equilíbrio entre os objetivos de ganhos de eficiência e dos de respeito
às regras de proteção do trabalho.”
Ou seja, na
visão do Programa de Marina, o problema do Brasil são os terceirizados e
as entidades que tentam garantir a esses trabalhadores os seus
direitos. A solução preconizada é retirar a resistência protagonizada
pelo Direito do Trabalho, deixando que, no livre jogo do comércio, com a
corda da ameaça do desemprego em virtude de uma infindável crise
econômica no pescoço, os trabalhadores abram mão, por sua “livre
vontade”, de seus direitos históricos, o que fica ainda mais favorecido
sem a resistência sindical, pois a terceirização, como dito
inicialmente, pulveriza a classe trabalhadora.
Ou seja, o
projeto econômico da presidenciável Marina retroage em 20 (vinte) anos
nos ataques às garantias dos trabalhadores, pondo em grave risco a
própria economia nacional, que, vale repetir, somente não foi à
bancarrota em 2008 por conta da resistência que a classe trabalhadora,
com apoio decisivo da comunidade acadêmica e de entidades
representativas de magistrados, procuradores e advogados trabalhistas,
impôs ao projeto neoliberal no final da década de 90/início dos anos
2000.
É evidente
que uma arma decisiva que os trabalhadores possuem para impedir esse
retrocesso é o voto. Mas é de todo conveniente verificar o
posicionamento dos demais candidatos a respeito desse assunto, pois no
governo do PT as tentativas para avançar na terceirização também se
apresentaram e estão expressas, inclusive, no projeto de lei,
apresentado pelo governo, que regula o SUT – Sistema Único do Trabalho
(PL 6.573/2013).
A Presidenta
Dilma, é verdade, disse estar muito preocupada com o impacto do
programa de governo da presidenciável Marina, “no que diz respeito à
terceirização do trabalho no Brasil”.
E asseverou:
Isso, no
entanto, é muito pouco para uma definição da classe trabalhadora, ao
menos nesse aspecto, em favor da Presidenta, ainda mais diante do
histórico recente do apoio de seu governo às tentativas de diminuição
das garantias trabalhistas que vieram no ACE e no PL 4.330,
destacando-se, ainda, o PL 6.573, já citado.
De todo
modo, a Presidenta tem a oportunidade, a partir da presente carta, de
explicar qual é exatamente a posição de seu governo com relação à
terceirização, sendo que o mesmo se requer, por oportuno, de todos os
demais candidatos.
Aguardemos as respostas!
São Paulo, Setembro de 2014.
***