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segunda-feira, 31 de março de 2014

DESCOMEMORAÇÕES PARA O GOLPE DE ESTADO DE PRIMEIRO DE ABRIL







Por Roberto Juliano em seu blog

Vivi os acontecimentos golpistas de 64. Se era jovem em demasia para compreender-lhe os antecedentes, percebia claramente o que se passava na cabeça das pessoas da classe média baixa, sempre preparada para macaquear os anseios da burguesia mais bem situada, seu modelo heroico.

Depois, anos a fio, acompanhei suas consequências. Eu as sofri, desde a mordaça às incômodas detenções e infames interrogatórios. 

Deixemos, contudo, de choro, pois isso é individual e ao caso não vem. Importa, isso sim, aquilo que a sociedade vivia. E isso não era banquetear-se com brioches.
Hoje, no início das tais "descomemorações" (gostei da inventividade desse nome) do golpe de primeiro de abril, astuta e infantilmente colocado em 31 de março, leio tantas bobagens e desinformações quantas são as versões dadas ao que se passou. Os mais bem aquinhoados jornalistas unem-se ao mais golpista dos taxistas de terceira linha para anunciar bravamente suas verdades incomensuráveis: negando ou apoiando os golpistas de 60/70/80, escrevem e dizem absurdos que uma criança de sete anos, recém chegada de Vênus, receberia com sarcasmo, tal a falta de sintonia com a razão.

As pessoas não deveriam se esquecer do discurso dos golpistas (e vou ficar por aqui, prometo!), especialmente na parte em que prometiam livrar completamente o Brasil dos corruptos (justo quem - dos generais aos coronéis - silenciaria qualquer denúncia de roubalheira nos anos que se seguiram), promessa que fez levantar de suas camas até enfermos terminais (patriotice ingênua!) para aplaudir a passagem dos tanques de guerra. Sim, a sociedade, à exceção da academia mais bem informada e politicamente engajada, viu com olhos brilhantes de emoção a cortina negra da opressão toldar nosso crescimento moral, nosso processo educacional, nosso desenvolvimento cidadão. É aí que o perigo mora.

Não vamos bancar aqui os sectários dispostos a tudo para manchar a história do golpe de Estado, até porque nem há espaço nessa capa para mais manchas. Houve, sim, desenvolvimento nas comunicações, na telefonia, na compreensão geopolítica da nossa extensão territorial, na afirmação relativamente independente no concerto das nações do mundo.

Quanto, entretanto, isso nos custou?

Nossa população, às vezes, semelha-se a uma malta destemperada à espera de salvação fascista, tal o grau de desinformação criado pelos nefastos "atos institucionais" (há quem só saiba contar até 5) que se seguiram. 

Conscientes da péssima educação que lhe é oferecida, nossa juventude aprecia com desdém a copa frondosa dessa árvore de desmandos, esquecendo-se de lhe desvendar as raízes.

E, pelo visto, nem adianta confiar nos historiadores e acadêmicos (tão lustrosos!) de plantão, pois suas verdades não correspondem aos fatos.

Às descomemorações, pois! Eia! Eia! Que o pior - parece -  ainda nem começou.

domingo, 30 de março de 2014

Os EUA e a “democracia”: discurso esfarrapado

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História: 35 países onde Washington derrubou governos legítimos, aliou-se a ditadores e cometeu genocídios, em nome de seus interesses geopolíticos

Por Nicolas J.S. Davies, no Alternet | Tradução: Vinícius Gomes

Um velho clichê político repetiu-se, nas últimas semanas, na Ucrânia e na Venezuela – ainda que com roupagem nova. Em Kiev, um presidente corrupto, porém legítimo, foi deposto após meses de manifestações, comandadas por grupos neonazistas. Em Caracas, Leopoldo López, político de extrema-direita e um dos líderes do golpe de Estado de 2002, apoia-se em dificuldades do governo para pedir sua derrubada antidemocrática. Nos dois casos, os Estados Unidos têm interesse geopolítico claro na queda dos governantes e agiram (agem, na Venezuela) para provocá-la.

O pretexto de Washington é uma concepção particular de “democracia”. Na Ucrânia, o chefe de governo, Viktor Yanukovitch, teria sido afastado por se aproximar da Rússia – adversária dos EUA e, portanto, “antidemocrática” por definição. Na Venezuela, tanto o ex-presidente Hugo Chávez quanto seu sucessor, Nicolas Maduro, promovem políticas de unidade latinoamericana que incomodam Washington. Por isso, seriam, naturalmente, “autoritários”. A mídia aliada ideologicamente à Casa Branca repete tais argumentos de maneira tão maciça (e acrítica) quanto assegurava haver, no Iraque, “armas de destruição em massa”.

Mas qual a autoridade do governo norte-americano para falar em nome da “democracia”? 

Nos próprios Estados Unidos, parece haver enormes dúvidas. Colaborador de publicações como “Huffington Post”, “Salon”, “ZNet” e “Alternet”, o escritor e jornalista Nicolas J.S. Davies acaba de produzir, para esta publicação, um texto de grande importância e atualidade. Após vasta pesquisa histórica, Davies relacionou uma lista (certamente incompleta) de países em que Washington interveio derrubando governos legítimos por meio de golpes de Estado, apoiando ditaduras ou participando de massacres e genocídios.

São 35 países, contando apenas as intervenções entre pós-II Guerra Mundial e hoje. 

Os verbetes são densos, porém breves – ou o texto seria interminável. Mas Davies teve o cuidado de pesquisar e indicar por meio de links, em cada caso, textos que permitem compreender, em detalhes, o contexto e os fatos concretos. O autor adverte: “em nome de sua incansável busca pelo domínio global, Washington criou um longo e contínuo histórico de trabalhar lado a lado com fascistas, ditadores, chefões das drogas e países que patrocinam terrorismo. (…) Os crimes cometidos vão de assassinato a tortura, de golpes a genocídios. A trilha de sangue desse caos e carnificina vai até os degraus da Casa Branca e do Congresso norte-americano”. A seguir o resultado, ordenado alfabeticamente, da pesquisa de Davies. (A.M)

1. Afeganistão
Durante a década de 1980, os EUA trabalharam com o Paquistão e a Arábia Saudita para derrubar o governo socialista do Afeganistão. Eles financiaram, treinaram e armaram forças lideradas por líderes locais conservadores, cujos poderes foram ameaçados pelas reformas do país nas áreas de educação, direitos das mulheres e reforma agrária. Após Mikhail Gorbachev retirar as tropas soviéticas, em 1989, esses senhores da guerra apoiados pelos EUA, despedaçaram o país e aumentaram a produção de ópio a um nível sem precedentes de 2 mil para quase 3.500 toneladas por ano. O governo Talibã cortou tal produção em 95% durante 1999 e 2001, mas a invasão norte-americana colocou os senhores da guerra e chefões das drogas de volta ao poder. O Afeganistão ocupa atualmente o 3º lugar dos mais países mais corruptos do mundo (entre 177) e o 175° em desenvolvimento humano (entre 186). Além disso, desde 2004 sua produção de ópio aumentou para 5.400 toneladas por ano. O irmão do presidente afegão, Ahmed Wali Kharzai era um notório chefão das drogas financiado pela CIA . Após uma grande ofensiva do exército norte-americano na província de Kandahar, em 2011, o coronel Abdul Razziq foi nomeado chefe de polícia local, impulsionando o contrabando de heroína que já lhe rendeu 60 milhões de dólares ao ano, em um dos países mais pobres do planeta.
2. Albânia
Entre 1949 e 1953, os EUA e o Reino Unido aliaram-se para derrubar o governo da Albânia, o menor e mais vulnerável país comunista no Leste Europeu. Exilados foram recrutados e treinados para retornar à Albânia e, estimular dissidentes a planejar um levante armado. Muitos dos exilados envolvidos no plano foram antigos colaboradores da Itália fascista e da Alemanha nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. A lista incluía um antigo Ministro do Interior, Xhafer Deva, que supervisionou as deportações de “judeus, comunistas, partisans e pessoas suspeitas” (como descrito em um documento nazista) para o campo de concentração de Auschwitz. Documentos norte-americanos secretos que se tornaram públicos revelaram desde então que Deva foi um dos 743 fascistas criminosos de guerra que os EUA recrutaram após a guerra.
3. Argentina
Documentos secretos que foram liberados ao público em 2003, detalham conversações de outubro de 1976, entre o então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, e sua contraparte argentina, o ministro das Relações Exteriores Almirante Guzzetti, pouco tempo depois de a junta militar tomar o poder na Argentina. Kissinger aprovou, explicitamente, a “guerra suja” dos militares sul-americanos, que matou aproximadamente 30 mil pessoas – jovens, em sua maioria – e roubou 400 órfãos de suas famílias. Kissinger disse a Guzzetti: “Veja bem, nossa posição é que você tenha sucesso…quanto mais rápido você tiver sucesso, melhor”. O embaixador dos EUA em Buenos Aires relatou que Guzzetti “saiu da conversa em estado de júbilo, convencido que não haveria nenhum problema por parte do governo norte-americano sobre esse assunto”.
4. Brasil
Em 1964, o general Castelo Branco liderou um golpe que iniciou 20 anos de uma brutal ditadura militar. O adido militar norte-americano, Vernon Walters – mais tarde Diretor Interino da CIA e embaixador na ONU – conhecia bem Castelo Branco desde a Segunda Guerra Mundial, na Itália. Por ter sido um agente da CIA, os relatórios de Walters sobre o Brasil nunca vieram a público, mas a CIA providenciou todo o apoio necessário para garantir o sucesso do golpe de Estado, assim como na Ucrânia e Venezuela, recentemente. Uma força anfíbia dos Marines norte-americanos estava à postos para desembarcar no país, mas não foi necessário. Assim como outras vítimas dos golpes apoiados pelos EUA na América Latina, o presidente eleito João Goulart era um rico latifundiário, não um comunista, mas seus esforços para permanecer neutro durante a Guerra Fria eram inaceitáveis para Washington.
5. Camboja
Quando o presidente Nixon ordenou o bombardeio secreto e ilegal no Camboja, em 1969, os pilotos norte-americanos foram obrigados a falsificar seus manifestos de voo para encobrir seus crimes. O bombardeio matou pelos menos 500 mil de cambojanos, despejando mais bombas no pequeno país asiático do que a Alemanha e o Japão combinados, durante a Segunda Guerra. Quando o grupo Khmer Vermelho ganhou força no país, em 1973, a CIA relatou que “sua propaganda é mais efetiva entre pessoas que sofreram com os bombardeios dos B-52 dos EUA”. Depois de o Khmer Vermelho matar mais de dois milhões de seu próprio povo e, ser finalmente expulso do país pelo exército do Vietnã, em 1979, o Grupo de Emergência de Kampuchea, que tinha como base embaixada norte-americana na Tailândia, organizou-se para apoiar e alimentar os genocidas do Khmer, vistos então como um grupo de “resistência” contra o novo governo cambojano, apoiado pelos vietnamitas. Com a pressão dos EUA, o Programa Mundial de Alimentos providenciou 12 milhões de dólares para alimentar de 20 a 40 mil soldados do Khmer Vermelho. Por pelo menos mais uma década, a inteligência do exército norte-americano forneceu imagens de satélites ao grupo, enquanto forças dos EUA e do Reino Unido treinavam-no para plantar milhões de minas terrestres no oeste do país. Até hoje, elas matam e mutilam centenas de pessoas todos os anos.
6. Chile
Quando Salvador Allende tornou-se presidente, em 1970, o presidente dos EUA, Richard Nixon prometeu “fazer a economia berrar” no Chile. O maior parceiro do país sul-americano eram os EUA, que cortou o comércio bilateral a fim de causar um caos econômico e falta de suprimentos. A CIA e o Departamento de Estado promoveram sofisticadas operações de propaganda durante uma década, financiando políticos conservadores, partidos, sindicatos, grupos estudantis e todos os veículos de mídia, enquanto expandiam seus laços com os militares. Após o general Augusto Pinochet tomar o poder, a CIA manteve os oficiais chilenos em sua folha de pagamentos e trabalhou em conjunto com o serviço de inteligência chileno, enquanto o governo militar matava milhares de pessoas, prendendo e torturando outras dezenas de milhares. Enquanto isso, os “Chicago Boys”, cerca de 100 estudantes chilenos enviados pelo Departamento de Estado dos EUA para estudar na Universidade de Chicago, sob a égide do economista Milton Friedman, lançaram um programa radical de privatizações, desregulamentação econômica e políticas neoliberais que manteve a economia do Chile berrando para grande parte dos chilenos ao longo da ditadura militar de 16 anos de Pinochet.
7. China
Ao final de 1945, 100 mil soldados norte-americanos estavam lutando lado a lado com o Kuomitang chinês nas áreas dominadas por comunistas no nordeste da China. O Kuomitang e seu líder, o general Chiang Kai-Shek, foram possivelmente os aliados mais corruptos dos EUA. Inúmeros conselheiros norte-americanos na China alertaram que a ajuda que os EUA enviava estava sendo roubada por Chiang e seus comparsas, alguns dos itens enviados sendo até vendidos aos japoneses, mas o compromisso norte-americano com o general estendeu-se pela II Guerra Mundial, sua derrota posterior diante dos comunistas e seu governo em Taiwan. A perigosa diplomacia do Secretário de Estado, Allen Dulles, em apoio a Chiang, quase colocou os EUA, por duas vezes, à beira de uma guerra nuclear com a China – em 1955 e 1958 – por conta de duas pequenas ilhas na costa chinesa, Matsu e Qemoy.
8. Colômbia
Quando forças especiais do exército dos EUA e sua agência de combate às drogas auxiliaram o governo colombiano a caçar e matar o chefão das drogas Pablo Escobar, eles trabalharam com um grupo de justiceiros chamado Los Pepes. Em 1997, Diego Murillo-Bejaran e outros líderes dos Los Pepes fundaram a AUC – as Autodefesas Unidas da Colômbia -, que foi responsável por 75% das mortes violentas de civis no país nos dez anos seguintes.
9. Coreia
Quando as forças dos EUA chegaram na Coreia, em 1945, foram recepcionadas por oficiais da República Popular da Coreia (KPR, sigla em inglês), formado por grupos de resistência que renderam forças japonesas na II Guerra Mundial e começaram a estabelecer lei e ordem por todo o país. O general Hodge expulsou-os então da metade sul do país e colocou a região sob ocupação militar norte-americanas. Em contraste, forças russas no norte reconheceram a autoridade do KPR – o que resultou na divisão da Coreia. Os EUA então trouxeram Sygnman Rhee, um exilado coreano conservador e o instalaram como presidente da Coreia do Sul. Rhee tornou-se tornou um ditador na cruzada anticomunista; prendeu e torturou suspeitos de serem comunistas; liquidou rebeliões com brutalidade; matou 100 mil pessoas e jurou retomar a Coreia do Norte. Ele foi parcialmente responsável pela “explosão” da Guerra da Coreia e pela decisão aliada de invadir a vizinha do norte. Finalmente, foi forçado a renunciar por um protesto em massa de estudantes, em 1960.
10. Cuba
Os EUA apoiaram a ditadura de Fulgencio Batista, cuja opressão matou mais de 20 mil cubanos e fomentou a revolta que causou a Revolução Cubana. O ex-embaixador Earl Smith testemunhou no Congresso “’que a influência dos EUA em Cuba era tão grande, que o embaixador norte-americano era a segunda pessoa mais importante no país; às vezes até mais que o próprio presidente cubano”. Após a revolução, a CIA iniciou uma campanha de terrorismo contra a ilha, treinando cubanos exilados na Florida, América Central e República Dominicana para cometer assassinatos e atos de sabotagem em Cuba. As operações patrocinadas pela CIA incluíram a tentativa de invasão da ilha pela Baía dos Porcos, em 1961, causando a morte de cem cubanos exilados e quatro norte-americanos; diversos atentados contra Fidel Castro e de outros governantes cubanos; ataques aéreos com bombas e atentados terroristas contra turistas, que incluíram um navio francês aportado em Havana (75 mortos), um ataque biológico com a gripe suína que matou meio milhão de porcos e a explosão de um avião (78 mortos) das linhas aéreas cubanas, planejada por Luis Carlos Posada e Orlando Bosch. Ambos continuam livres nos EUA, apesar de os norte-americanos estarem em “guerra contra o terrorismo”. Bosch recebeu o perdão presidencial do primeiro George Bush.
11. El Salvador
A guerra civil que arrasou El Salvador na década de 1980 foi um levante popular contra um governo extremamente brutal. Pelo menos 70 mil pessoas foram mortas e milhares de outras desapareceram. A Comissão da Verdade da ONU organizada após a guerra encontrou evidências que 95% das mortes foram causadas pelo governo e esquadrões da morte e apenas 5% pelas guerrilhas do FLMN. As forças governamentais responsáveis por esse massacre unilateral foram praticamente todas montadas, treinadas, armadas e supervisionadas pela CIA, pelas forças especiais dos EUA e pela infame Escola das Américas. A Comissão da ONU descobriu que as unidades que cometeram as piores atrocidades – como o Batalhão Atlacatl, que conduziu o terrível massacre de El Mozote, eram precisamente as mais próximas da supervisão norte-americana. O papel dos EUA na campanha de terrorismo de Estado é agora louvado por oficiais militares mais velhos como um modelo de “contra-insurgência” na Colômbia e outros lugares onde a guerra ao terror dos EUA leva violência e caos pelo mundo.
12. Filipinas
Desde que os EUA lançaram sua suposta guerra ao terror em 2001, uma força-tarefa de 500 soldados das forças especiais conduziu operações secretas no sul das Filipinas. Com Obama, a ajuda militar dos EUA para o país aumentou de 12 milhões de dólares, em 2001, para 50 milhões, neste ano. No entanto, ativistas de direitos humanos filipinos relatam que o aumento da ajuda coincide com o aumento de operações militares de esquadrões da morte contra civis. Nos últimos três anos, pelo menos 158 pessoas foram mortas por esses esquadrões.
13. França
Ao final da II Guerra Mundial, as forças aliadas descobriram que tanto na França como na Itália, Grécia, Indochina, Indonésia, Coreia e Filipinas, as forças de resistência comunista tinham conquistado o efetivo controle de várias áreas e até mesmo do país inteiro, ao passo que as forças alemãs e japonesas retiravam-se ou se rendiam. Na cidade costeira de Marselha, o sindicato de comércio controlado pelos comunistas controlava as docas, que eram essenciais para o comércio dos EUA e o Plano Marshall. A agência norte-americana OSS (antecessora da CIA) já havia trabalhado durante a guerra com a máfia siciliana na Itália e com os gângsteres de Córsega, na França. Quando a OSS transformou-se na CIA, após a guerra, restabeleceu seus antigos contatos e usou os criminosos corsos para acabar com as greves e controlar as docas de Marselha. A CIA passou a proteger os corsos, enquanto eles montavam seus laboratórios de heroína e, inclusive quando despachavam a heroína para Nova York, onde, por sua vez, os sicilianos mafiosos revendiam a droga com a proteção da CIA. Ironicamente, o suprimento de drogas quase foi zerado devido a Revolução Chinesa e o vício em heroína poderia ter sido eliminado, mas a Conexão França da CIA trouxe permitiu uma nova onda de vício, crime organizado e violência relacionada ao tráfico para Nova York e outras cidades do país.
14. Gana
Atualmente parece não haver líderes nacionais inspiradores na África. Mas isso pode ser culpa dos EUA. Nas décadas de 1950 e 1960, existia uma estrela em ascensão em Gana: Kwame Nkrumah. Ele foi primeiro-ministro sobre controle britânico, entre 1952 e 1960. Quando Gana tornou-se independente, assumiu a presidência. Era um socialista, pan-africanista e anti-imperialista; em 1965, escreveu um livro chamado Neo-Colonialismo: O último estágio do imperialismo. Nkrumah foi destituído em golpe da CIA, em 1966. A agência negou na época seu envolvimento, mas a imprensa britânica revelou posteriormente, que 40 oficiais da agência operavam na embaixada dos EUA “distribuindo favores entre os adversários secretos de Nkrumah” – os quais “foram completamente recompensados”. O ex-agente da CIA, John Stockwell, revela bastante sobre o golpe em seu livro Em Busca de Inimigos
15. Grécia
Quando as forças britânicas desembarcaram na Grécia em outubro de 1944, eles descobriram que o país estava sobre controle efetivo do ELAS-EAM, a guerrilha esquerdista formada pelo Partido Comunista Grego em 1941, após a invasão alemã e italiana no país. O ELAS-EAM recebeu de braços abertos os britânicos, mas estes recusaram-se a qualquer entendimento com os comunistas e instalaram um governo que incluía defensores da realeza e colaboradores nazistas. Quando o ELAS-EAM organizou uma manifestação maciça em Atenas, a polícia abriu fogo e matou 28 pessoas. Os britânicos recrutaram membros nazistas versados em combate para caçar e prender membros dos ELAS, que novamente pegaram em armas para lutar como resistência. Em 1947, com uma guerra civil em andamento, a Grã-Bretanha, falida, recorreu aos EUA para ocupar e controlar a Grécia. O papel dos norte-americanos apoiando o incompetente governo fascista grego estava embasado na Doutrina Truman, encarada por muitos historiadores como o início da Guerra Fria. Os membros da ELAS-EAM deixaram suas armas em 1949, após a Iugoslávia retirar seu apoio a eles. Cerca de 100 mil foram executados, exilados ou aprisionados. O primeiro-ministro liberal Georgios Papandreou foi deposto com um golpe orquestrado pela CIA, em 1967, levando a mais sete anos de ditadura militar. Seu filho Andreas foi eleito o primeiro presidente “socialista”, em 1981, mas muitos membros do ELAS-EAM presos na década de 1940, nunca foram libertados e morreram na prisão.
16. Guatemala
Após sua primeira experiência para derrubar um governo estrangeiro com o Irã, em 1953, a CIA lançou uma operação mais elaborada para remover o governo eleito do liberal Jacobo Arbenz, na Guatemala, em 1954. A CIA recrutou e treinou um pequeno exército de mercenários em conluio com o guatemalteco exilado, Castillo Armas, para invadir o país, contando com o apoio aéreo de 30 aviões não-identificados. O embaixador norte-americano, John Peurifoy, preparou uma lista de guatemaltecos a serem executados e Armas foi instalado como presidente. O reino de terror que se seguiu iniciou os 40 anos de guerra civil no país, que resultou na morte de 200 mil pessoas – indígenas, em sua maioria. O clímax da guerra foi a campanha de genocídio desencadeada na comunidade Ixil, pelo então presidente Rios Montt. Ele foi sentenciado a prisão perpétua em 2013, até que a Suprema Corte da Guatemala anulou o julgamento, a pretexto de uma tecnicalidade. Um novo julgamento está marcado para 2015. Documentos da CIA revelam que o governo Reagan estava totalmente informado da natureza genocida indiscriminada das operações militares dos guatemaltecos quando aprovou uma nova ajuda financeira em 1981, que incluía veículos militares, partes sobressalentes de helicópteros e enviou de conselheiros militares norte-americanos. Os documentos da CIA detalham o massacre e a destruição de vilas inteiras e concluem: “A bem-documentada crença do exército, segundo a qual a população inteira dos índios Ixil é pró-EGP (Exército Guerrilheiro dos Pobres) criou uma situação na qual, espera-se, que o exército não poupe combatentes e nem não-combatentes”.
17. Haiti
Quase 200 anos depois da rebelião dos escravos que criou o Haiti e derrotou os exércitos de Napoleão, a sofrida população do país finalmente elegeu um verdadeiro governo democrático, liderado pelo padre Jean-Bertrand Aristide, em 1991. Mas o governo de Aristide foi derrubado por um golpe militar apoiado pelos EUA, apenas oito meses depois de ter assumido o cargo. Além disso, a agência de inteligência do Pentágono recrutou uma força paramilitar chamada FRAPH com o objetivo de destruir o movimento de Aristide, chamado Lavalas. A CIA colocou o líder do FRAPH, Emmanuel “Toto” Constant, em sua folha de pagamentos e lhe enviou armas pela Florida. Quando o presidente Clinton enviou uma força de ocupação para recolocar Aristide no poder, em 1994, os membros da FRAPH detidos pelos militares norte-americanos foram liberados com ordens de Washington e a CIA manteve a FRAPH como um grupo criminoso para sabotar tanto Aristide, como o Lavalas. Após Aristide ser eleito novamente em 2000, uma força de pelo menos duzentos soldados das forças especiais dos EUA, treinou cerca de seiscentos antigos membros do FRAPH – dentro da República Dominicana para se preparar para um segundo golpe de Estado. Em 2004, eles lançaram uma campanha de violência para desestabilizar o Haiti, crianao novo pretexto para forças dos EUA desembarcarem no país e removerem Aristide do cargo. Pela segudna vez.
18. Honduras
O golpe de 2009 em Honduras iniciou uma era de dura repressão e o assassinato, por esquadrões da morte de oponentes políticos, sindicalistas e jornalistas. Na época, oficiais norte-americanos negaram qualquer participação com o golpe e usaram de semântica para evitar o corte da assistência militar – driblando o que é requerido pelas leis dos EUA. Mas dois vazamentos do Wikileaks revelaram que a embaixada dos EUA era a maior patrocinadora nas gestões, pós-golpe, para a formação de um governo que reprimiu seu próprio povo.
19. Indonésia
Em 1965, o general Suharto tomou o poder do presidente Sukarno sob o pretexto de combater um golpe fracassado. Iniciou, na sequência, uma ondaa de assassinatos em massa, que resultaram na morte de pelo menos meio milhão de pessoas. Diplomatas norte-americanos admitiram posteriormente que proveram listas com os nomes de 5 mil membros do Partido Comunista que seriam mortos. O oficial político Robert Martens disse: “Realmente foi uma grande ajuda para o exército. Eles provavelmente mataram muitas pessoas e eu provavelmente tenho muito sangue em minhas mãos, mas isso não é tão ruim. Há momentos em que você tem agir com força, em um momento decisivo.
20. Irã
O Irã talvez seja o caso mais instrutivo sobre golpes da CIA que causaram uma interminável lista de problemas para os EUA. Em 1953, a CIA e o MI-6 britânico derrubaram o popular governo eleito de Mohammed Mossadegh. O Irã havia nacionalizado sua indústria petrolífera por votação unânime no Parlamento, encerrando o monopólio da British Petroleum (BP), que pagava ao país apenas 16% dos royaties na venda de seu próprio combustível. Por dois anos, o Irã resistiu ao bloqueio naval britânico e sanções econômicas internacionais. Quando o presidente Eisenhower entrou na Casa Branca em 1953, a CIA concordou com um pedido britânico de intervenção. Depois que o primeiro golpe falhou e o Xá Reza Pahlevi voou para a Itália, a CIA pagou milhões de dólares em suborno para oficiais militares e gangsters, que aterrorizaram as ruas de Teerã com violência. Até que Mossadegh finalmente foi removido e o Xá retornou ao poder como um brutal fantoche ocidental, até a Revolução Iraniana, em 1979.
21. Iraque
Em 1958, após o general Abdul Qasim derrubar a monarquia apoiada pela Grã-Bretanha, a CIA contratou um jovem de 22 anos, chamado Saddam Hussein, para assassiná-lo. Hussein e sua gangue falharam feio na missão e ele fugiu para o Líbano, ferido na perna por um de seus companheiros. A CIA alugou-lhe um apartamento em Beirute. Depois, deslocou-o para Cairo, onde era pago como um agente da inteligência egípcia e era, também, um frequente visitante da embaixada norte-americana. A CIA finalmente assassinou Qasim em um golpe pelo Partido Baath – e, como na Guatemala e Indonésia, entregou ao novo regime uma lista de pelo menos 4 mil membros do Partido Comunista a serem assassinados. No entanto, uma vez no poder, o Baath não se dispôs a ser um fantoche ocidental. Nacionalizou a indústria petrolífera no país, adotou uma política externa nacionalista e criou o melhor sistema educacional e de saúde no mundo árabe. Em 1979, Saddam Hussein tornou-se presidente, após expurgar oponentes políticos. Lançou-se em uma desastrosa guerra contra o vizinho Irã. A inteligência do Pentágono abasteceu Saddam, nesta guerra, com imagens de satélite necessárias para utilizar armas químicas, que o Ocidente ajudou a produzir. Donald Rumsfeld e outros assessores do governo norte-americano enxergavam Hussein como um aliado contra o Irã. Apenas quando o Iraque invadiu o Kuwait e Saddam Hussein tornou-se mais útil como um inimigo, os EUA retularam-no como “um novo Hitler”. Depois que os EUA invadiram o Iraque em 2003, baseando-se em mentiras, a CIA recrutou 27 brigadas da “polícia especial” – unindo a mais brutal das forças de segurança de Hussein com as milícias Badr, treinadas pelo Irã – para criar esquadrões da morte que mataram dezenas de milhares de homens e meninos, de maioria sunitas, em Bagdá e outras cidades, em um reinado de terror que continua até hoje.
22. Israel
Assim como usam seus poderes econômicos e militares, seu sofisticado programa de propaganda e sua posição como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU para violar as leis internacionais com impunidade, os EUA empregam as mesmas ferramentas para criar um escudo protetor a seu aliado israelense, evitando que este tenha que responder por seus crimes. Desde 1966, os EUA usaram 83 vezes seu poder de veto, como membro permanente no Conselho de Segurança – mais do que todos os outros quatro membros combinados. Em 42 casos, estes vetos foram sobre resoluções acerca Israel e/ou Palestina. No início desse ano, a Anistia Internacional publicou um relatório dizendo que “forças israelenses demonstraram uma enorme indiferença com a vida humana, ao matar dezenas de civis palestinos, incluindo crianças, na Faixa de Gaza ocupada nos últimos três anos, com total impunidade”. Richard Falk, o relator especial da ONU sobre Direitos Humanos em Territórios Ocupados, condenou o ataque de 2008 em Gaza como uma “violação maciça da lei internacional”, salientando que países como os EUA, que “forneceram armas e apoiaram o cerco, eram cúmplices nesses crimes”. A Lei Leahy exige que os EUA cortem assistência militar a forças de segurança que violem os direitos humanos, mas ela nunca foi aplicada a Israel – que continua a construir colônias em territórios ocupados, violando o quarto artigo da Convenção de Genebra, tornando ainda mais difícil o cumprimento das resoluções da ONU que exigem a retirada completa dos territórios ocupados. Mesmo assim, Israel continua acima de lei – protegida de prestar de contas pelo seu poderoso aliado, os EUA.
23. Iugoslávia
O bombardeio aéreo da OTAN na Iugoslávia em 1999 foi um flagrante crime de agressão que violou o Artigo 2.4 da Carta da ONU. Quando o secretário de relações exteriores britânico, Robin Cook, disse à secretária de Estado dos EUA, Caroline Albright, que o Reino Unido estava tendo “dificuldades com seus advogados” a respeito do ataque planejado, ela disse, de acordo com seu assistente James Rubin, que os britânicos deveriam “arrumar novos advogados”. O grupo “terceirizado” pela OTAN para agir em campo contra a Iugoslávia era o Exército de Libertação de Kosovo (KLA), liderado por Hashuim Thaci. Um relatório de 2010 do Conselho da Europa e um livro de Carla Del Ponte, antiga procuradora da Tribunal Internacional de Justiça para a Iugoslávia, alertaram, por muito tempo, que na época da invasão da OTAN, Thaci comandava uma organização criminosa chamado Drenica, que enviou mais de 400 sérvios capturados à Albânia para serem mortos e assim terem seus órgãos retirados e vendidos para transplante. Hashim Thaci é hoje o primeiro-ministro de Kosovo, o protetorado da OTAN.
24. Laos
A CIA começou a fornecer apoio aéreo às forças francesas no Laos, em 1950, e continuou envolvida no país por mais 25 anos. A agência orquestrou pelo menos três golpes de Estado entre 1958 e 1960, com o intuito de manter a crescente esquerda, liderada por Pathet Lao, fora do poder. A CIA também trabalhou com os chefões do tráfico de drogas de direita no Laos, como o general Phoumi Nosavan – transportando ópio entre o Myanmar, Laos e Vietnã – além de proteger seu monopólio no comércio de ópio no Laos. Em 1962, a CIA recrutou um exército clandestino de mercenários que contava com 30 mil soldados veteranos de guerras de guerrilha da Tailândia, Coreia, Vietnã e das Filipinas, para lutar contra Pathet Lao. Como inúmeros soldados norte-americanos se viciaram em heroína, durante a guerra do Vietnã, a Air America, da CIA, transportou ópio do território Hmong, nas montanhas, para os laboratórios de heroína do general Vang Pao, em Long Tieng e Vientiane, para serem embarcadas para o Vietnã. Quando o golpe da CIA contra Pathet Lao falhou, os EUA bombardearam o Laos, tão brutalmente quanto no Camboja, lançando 2 milhões de toneladas de bomba.
25. Líbia
A ação da OTAN na Líbia construiu a maneira “disfarçada, silenciosa e livre de imprensa” adotada pelo presidente Obama para fazer guerra. A campanha de bombardeio da OTAN foi falsamente vendida ao Conselho de Segurança da ONU como um esforço para proteger civis e o papel dos militares ocidentais e outras forças estrangeiras foi bem disfarçado, mesmo quando as forças especiais do Qatar (incluindo mercenários paquistaneses ex-agentes do ISI) lideraram o ataque final ao quartel-general Bab Al-Azizia, em Trípoli. A OTAN conduziu 7.700 ataques aéreos. Entre 30 e 100 mil pessoas foram mortas. Cidades leais ao governo foram bombardeadas até virar destroços. Hoje, quano o país está em caos, milícias armadas e treinadas pelo Ocidente dominam territórios e instalações de petróleo, por meio da força. Uma delas, a Misrata, é um das mais violentas e poderosas. Há poucos dias, manifestantes entraram atirando no Congresso pela quarta ou quinta vez, em poucos meses e dois representantes eleitos foram mortos enquanto fugiam.
26. México
A contagem de mortos nas guerras às drogas no México chegou recentemente a 100 mil vítimas. O mais violento dos cartéis de drogas é conhecido por “Los Zetas”. Oficiais dos EUA dizem que eles são os “mais tecnológicos, avançados e perigosos dos cartéis operando no México”. O cartel dos Zetas foi formado por forças de segurança mexicanas, que por sua vez, foram treinados por forças especiais norte-americanas, na Escola das Américas, em Fort Benning – Geórgia; e em Fort Bragg, Carolina do Norte.
27. Myanmar
Após a Revolução Chinesa, os generais do Kuomitang deslocaram-se para o norte de Myanmar e se tornaram poderosos barões das drogas, contando com a proteção militar da Tailândia, financiados por Taiwan e tendo o suporte logístico e transporte aéreo da CIA. A produção de ópio em Myanmar cresceu de 18 toneladas em 1958, para 600 toneladas em 1970. A CIA manteve essas forças como um bastião na luta contra a China comunista. Ajudou a converter o “Triângulo de Ouro” no maior produtor mundial de ópio. A maioria dessa produção foi transportada por mulas para a Tailândia, onde outros aliados da CIA, embarcavam-na para laboratórios de heroína em Hong Kong e Malásia. O comércio mudou um pouco o foco quando o parceiro da CIA, general Vang Pao, montou novos laboratórios no Laos, para fornecer heroína aos soldados norte-americanos.
28. Nicarágua
A Nicarágua foi governada por Anastasio Somoza por 43 anos como se fosse seu feudo particular. O ditador contou com o apoio incondicional dos EUA, enquanto sua Guarda Nacional cometia todo o tipo de crime imaginável – de assassinatos à tortura, de extorsão a estupro – sempre com completa impunidade. Após Somoza finalmente ser deposto pela Revolução Sandinista, em 1979, a CIA recrutou, treinou e apoiou os mercenários “contras”, que invadiram o país com o objetivo de promover terrorismo e desestabilizar a Nicarágua. Em 1986, a Corte Internacional de Justiça considerou os EUA culpados de agressão contra Nicarágua, por enviarem os “contras” e sabotarem os portos nicaraguenses. A Corte ordenou que os EUA terminassem suas agressões e pagassem reparações de guerra à Nicarágua, mas isso nunca aconteceu. A resposta norte-americana foi dizer que não considerava mais a jurisdição da Corte Internacional – efetivamente colocando-se acima das leis internacionais.
29. Paquistão; 30.Arábia Saudita; 31. Turquia
Após ler o meu último texto no Alternet sobre o fracasso na guerra ao terror, um ex-especialista em terrorismo da CIA e Departamento de Estado, Larry Johnson, disse que “o principal problema sobre enfrentar a ameaça terrorista é definir precisamente o patrocínio do Estado. Os maiores culpados hoje, em contraste ao que ocorria vinte anos atrás, são o Paquistão, a Arábia Saudita e a Turquia. O Irã, apesar das bravatas dos neoconservadores de direita, não está ativamente encorajando e/ou facilitando o terrorismo”. Nos últimos doze anos, a ajuda militar dos EUA ao Paquistão totalizou 18,6 bilhões de dólares. Os EUA acabaram de negociar a maior venda de armas na história com a Arábia Saudita e a Turquia é um velho membro da OTAN. Os três maiores países patrocinadores do terrorismo são todos aliados dos EUA.
32. Panamá
Integrantes da agência antidrogas DEA, nos EUA, queriam prender Manuel Noriega em 1971, quando ele era o chefe da inteligência militar no Panamá. Tinham evidências suficientes para condená-lo por tráfico de drogas, mas ele era ao mesmo tempo, um velho agente e informante da CIA – assim como tantos outros traficantes também foram, de Marselha a Macau. Por isso, era intocável. Foi temporariamente desligado de suas funções durante o governo Carter mas, mesmo assim, continuava a receber seu pagamento anual de 100 mil dólares do Tesouro norte-americano. Quando subiu ao status de governante de fato do país, Noriega tornou-se ainda mais valioso para a CIA – relatando seus encontros com Fidel Castro em Cuba e Daniel Ortega na Nicarágua, além de apoiar as operações secretas dos EUA dentro da América Central. Noriega provavelmente parou de traficar drogas em 1985, muito antes de os EUA o acusarem publicamente em 1988. O indiciamento em 1989 foi apenas uma desculpa para os EUA invadirem o Panamá, cujo maior propósito era ter um controle ainda maior sobre o país a um custo de 2 mil vidas.
33. Síria
Quando o presidente Obama aprovou em 2011, o envio de armas e de homens da milícia na Líbia para a base do “Exército Livre da Síria”, na Turquia – em voos da OTAN não registrados –, calculou que os EUA e seus aliados poderiam replicar o “sucesso” que foi a mudança de regime na Líbia. Todos os envolvidos no caso compreenderam que, na Síria, o conflito seria longo e sangrento, mas apostaram que, ao final, o resultado seria o mesmo, mesmo com 55% de sírios apoiando publicamente o presidente Assad. Poucos meses depois, os líderes ocidentais sabotaram o plano de paz de Kofi Annan, e usaram o “plano B”, Amigos da Síria. Esse não era um plano alternativo de paz, mas um comprometimento com a escalada da violência, oferecendo apoio garantido, dinheiro e armas para os jihadistas na Síria, garantindo assim que eles ignorassem o plano de Kofi Annan e continuassem lutando. Essa ação selou o destino de milhões de pessoas. Nos últimos dois anos, o Qatar gastou 3 bilhões de dólares enviando armas para a Síria; a Arábia Saudita embarcou armas via Croácia e países ocidentais junto de forças especiais de países árabes, treinaram milhares de jihadistas radicais e fundamentalistas, que hoje são aliados à Al-Qaeda. As conversações na conferência conhecida como “Genebra 2” foram uma meia tentativa de retomar o plano de paz de Kofi Annan, mas a insistência ocidental de que a “transição política” deve envolver a renúncia de Assad revela que os líderes ocidentais valorizam mais a mudança de regime do que a paz. Parafraseando, Phillys Bennis, os EUA e seus aliados ainda estão dispostos a lutar até o último sírio.
34. Uruguai
Muitos dos oficiais estrangeiros com quem os EUA trabalharam em conjunto tiraram proveito pessoal de sua cooperação com os crimes norte-americanos ao redor do mundo. Mas no Uruguai da década de 1970, quando o chefe de polícia, Alejandro Otero, alertou seus superiores de que os norte-americanos estavam treinando uruguaios na arte da tortura, foi rebaixado em hierarquia. O norte-americano de quem ele reclamou era Dan Mitrione, que trabalho para o Escritório de Segurança Pública dos EUA – uma divisão da USAID. As sessões de treinamento de Mitrione incluíam torturar pessoas sem-teto até a morte com choques elétricos, para ensinar os “estudantes” até que limite podiam chegar.
35. Zaire (República Democrática do Congo)
Patrice Lumumba, o presidente do Movimento Nacional Pan-Africano Congolês, tomou parte na pela independência de seu país e se tornou o primeiro governante eleito do Congo, em 1960. Foi deposto por um golpe patrocinado pela CIA e liderado por Joseph-Desire Mobutu, o líder do exército. Mobutu entregou Lumumba para separatistas e mercenários apoiados pela Bélgica, contra quem ele tanto lutara na província de Katanga. Foi executado por um pelotão de fuzilamento. Mobutu aboliu as eleições e se autoproclamou presidente em 1965 – continuando no poder como ditador por mais trinta anos. Matou oponentes políticos em enforcamentos públicos, mandou outros para a tortura até a morte e, ao final, embolsou 5 bilhões de dólares, enquanto o Zaire, nome cunhado por ele, permanecia um dos países mais miseráveis do planeta. Mas o apoio norte-americano a Mobutu continuou. Até mesmo quando presidente Carter distanciou-se dele publicamente, o ditador continuou a receber 50% de toda a assistência militar que os EUA para a África Subsaariana. Quando o Congresso votou para cortar tal ajuda, Carter e os empresários interessados lutaram para restaurá-la. Apenas na década de 1990, os EUA passaram a abandonar seu antigo fantoche e Mobutu foi deposto por outro golpe em 1997, liderado por Laurent Kabila.
Uma enorme sofrimento humano poderia ter sido evitado, e problemas globais resolvidos, se os EUA estivessem genuinamente comprometidos com a defesa dos direitos humanos e o cumprimento da lei – diferente do que fazem, aplicando, de maneira cínica e oportunista, tais princípios a seus inimigos e, nunca, a seus aliados e a si próprios.

sábado, 29 de março de 2014

O que é combater a corrupção? É preciso primeiro entendê-la!



Tem gente que acha que corrupção é um problema moral, um desvio ético cometido por gente "sem Jesus no coração". Essa visão ingênua, superficial, leva a quem pensa assim a migrar de "salvadores da pátria" à medida em que se frustram com os "salvadores" anteriores. Até no petismo tinha gente com essa visão ingênua - "nós somos puros, os outros são corruptos" - e o resultado foi uma frustração atrás da outra.


Sinto informar que corrupção é um dos instrumentos utilizados pelo capitalismo, desde as suas origens, lá na idade média, para a acumulação de capitais e à medida em que ele tornou-se sistema hegemônico, a corrupção sofisticou-se e intensificou-se. Não é possível existir capitalismo sem corrupção. Ela não é o principal elemento da acumulação, uma vez que em primeiríssimo lugar vem a exploração sobre a mão de obra pela extração da Mais Valia ou Mais Valor (e nem vou gastar meu tempo abordando a exploração como sendo a corrupção na sua essência). Sequer é o segundo elemento dessa acumulação pois o outro grande elemento é a sonegação fiscal. Mas a corrupção joga papel importante sem dúvida. Se não jogasse não seria largamente praticada. 


Reparem que não estou falando que todo capitalista é corrupto, longe disso. Conheço muitos pequenos e médios empresários (as) que ralam pra caramba sem se envolver com o "mal feito". Mas, por outro lado, afirmo categoricamente que nos setores estratégicos da economia moderna, os grandes ramos empresariais, aqueles que são de fato estruturantes para o funcionamento da economia mundial, não tenhamos dúvidas: a corrupção é amplamente utilizada todos os dias, em escala global.

O que nos leva ao outro lado da questão: se existem corruptos, existem corruptores posto que ninguém se auto corrompe. Para alguém ser corrupto é preciso que alguém lhe "molhe a mão". Grandes grupos empresariais, sedentos por contratos governamentais (obras, fornecimento de materiais e equipamentos, etc) disputam o controle desses recursos em uma guerra suja, como sempre é a guerra pelos mercados consumidores. Esses grupos financiam campanhas eleitorais - e subornam agentes públicos de toda ordem - para garantir que seus financiados estejam em postos chaves do poder para conquistarem benesses. E financiam amplamente com recursos sonegados (caixa 2), além dos recursos legais. Financiamento privado de campanha é legal mas é profundamente imoral e danoso à democracia. A última campanha do Obama à presidência dos EUA custou quase UM BILHÃO DE DÓLARES! Quem pagou? Com quais interesses? Democráticos? E na Europa? Como funciona? Basicamente do mesmo jeito!

Ainda assim, com tudo isso, vejam vocês, a corrupção - que precisa ser combatida sim, mas de modo consequente e com visão estruturante - é apenas uma fração do problema da economia mundial - e da brasileira também - uma vez que há outros ralos muito maiores que prejudicam a vida dos povos, das massas trabalhadoras. Perto da sonegação, da evasão fiscal - aqui e nos demais países do mundo, notadamente nos países mais desenvolvidos - a corrupção é brinquedo de criança. A corrupção equivale a cerca de TRÊS POR CENTO de prejuízos nos países estudados. Por outro lado, a sonegação é estratosférica! No caso brasileiro, a sonegação é algo CINCO VEZES MAIOR do que o que se perde com corrupção. Ainda que eu ache que sonegar é corromper também. Mas esse é outro debate!

O debate político e a luta pelas mudanças necessárias não comportam ingenuidades nem demagogia barata, aventureiros salvadores e nem ódio irracional. Debater seriamente os problemas do país, e do mundo, exige conhecimento, ciência e organização consciente. O resto é hipocrisia de ocasião!
por Altair Freitas

sexta-feira, 28 de março de 2014

Apartheid no Facebook: “pague, ou desapareça”


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Em silêncio, proprietários da plataforma reduzem drasticamente difusão não-paga de conteúdos, instituindo discriminação financeira e afetando movimentos e jornalismo independente


Por Renan Dissenha Fagundes, no YouPix

Dezembro de 2013 será lembrado no futuro como o Começo do Fim do Almoço Grátis no Facebook. Foi no último mês do ano passado que a rede social fez a atualização mais recente no algoritmo que decide o que você vê no newsfeed. Pouco antes, em outubro e novembro, era tudo bonança. De lá pra cá, o alcance orgânico de páginas está despencando, muito. E, se não está indo para zero, caminha para algo bem próximo.

Uma fonte disse ao site ValleyWag nesta quarta-feira (19) que o Facebook está em processo de cortar o alcance orgânico — o que uma página atinge sem pagar — para algo em torno de 1% ou 2% (!!!). O que quer dizer: alguém que tem 100 mil likes, vai se comunicar ~organicamente~ apenas com algo em torno de mil e 2 mil fãs. O número aumenta, claro, quanto maior o engajamento, mas isso também já não é na mesma proporção de antes.

Por enquanto quem tem mais sentido a mudanças são os publicitários. No começo do mês, a Social@Ogilvy publicou um estudo feito com 100 páginas de marcas mostrando a devastação dos alcances — a média está em 6%, mas quem tem mais de 500 mil likes já está na casa dos 2%, como talvez seja previsto para todos pela rede social. Segundo o mesmo post, “fontes do Facebook estão aconselhando não-oficialmente gerentes de comunidades a esperarem que [o alcance orgânico] chegue perto de zero”.
O que preocupa é como as mudanças vão afetar outros tipos de páginas — sejam pequenos negócios, blogs, associações de moradores, ou veículos jornalísticos. Porque a solução para isso tudo, claro, é pagar. E marcas podem até ter dinheiro para isso [grandes empresas de mídia também] mas a maior parte das pessoas, não. A situação é notoriamente preocupante na mídia porque a audiência de muitos sites hoje depende da rede social.Em breve, você pode nem estar lendo este post simplesmente porque ele não apareceu no seu feed de notícias — por uma decisão arbitrária e talvez até aleatória do Facebook, mesmo que você tenha curtido a página do youPIX e o tema te interesse. A rede social vem dizendo que vai dar mais validade para conteúdo de relevância, mas não é claro como vai decidir isso e escolher parceiros [o Buzzfeed americano é um há tempos já].

Simplesmente não é saudável para a internet todo mundo ser tão dependente assim de um único site que, no fim, é também um negócio e precisa dar um jeito de ganhar dinheiro.

quinta-feira, 27 de março de 2014

Direito de greve exige regras para negociação coletiva, diz Ministério do Planejamento


Durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado (CDH) em 24 de março sobre o projeto que regulamentará o direito de greve no serviço público, os representantes do governo concordaram que a discussão passa necessariamente pela definição de regras sobre negociação coletiva. Segundo o secretário de Relações de Trabalho no Serviço Público do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça, o tema envolve não apenas servidores federais, mas também dos estados e municípios, o que torna a tarefa mais complexa.

— Estamos falando de 10 milhões de trabalhadores, dos quais a grande maioria é regida pelo regime estatutário. A União representa algo em torno de 1 milhão e 400 mil servidores entre ativos e inativos, excluindo as Forças Armadas. Não basta ter a vontade da presidenta da República para que se consiga regulamentar o direito de greve — apontou Mendonça.

Ele afirmou que há uma orientação da presidente Dilma Rousseff para debater em conjunto os temas direito de greve, negociação coletiva e organização sindical.

— A greve é um desdobramento do fracasso da negociação coletiva – assinalou.
Na mesma linha, a representante do Ministério Trabalho e Emprego (MTE) Rita Maria Pinheiro sustentou que o governo federal tem se movimentado para regulamentar o direito de greve desde a ratificação pelo país em 2010 da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1978.

— Para construir qualquer proposta temos que acordar com os atores e termos consenso. Construir consenso não é tarefa fácil. E construir entre os próprios atores não é fácil porque tem diferenças entre o âmbito federal, estadual e municipal. Os olhares são diferentes – avaliou Rita Pinheiro.

O vice-presidente da Força Sindical, Rubens Romão Fagundes, disse que o PLS 287/2013, de autoria da própria CDH e fruto de uma sugestão apresentada pelo Fórum Permanente de Carreiras Típicas de Estado ainda não encontra consenso entre os trabalhadores justamente por essa diferença de perspectiva. Relator da proposta na comissão, o senador Paulo Paim (PT-RS) pediu que propostas de mudanças e ajustes no texto sejam encaminhadas para constarem no relatório final.

O projeto assegura a todos os servidores públicos civis o direito de greve. 

Veda, no entanto, essa possibilidade aos militares das Forças Armadas e de forças auxiliares. O projeto prevê ainda que durante as paralisações fica obrigado o atendimento às necessidades inadiáveis da sociedade.

Projetos

Além dessa proposta, tramitam outras iniciativas de regulamentação do direito de greve no Congresso como o PLS 710/2011, apresentado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) que está pronto para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A questão também está em debate na comissão especial mista responsável pela regulamentação dos dispositivos constitucionais.
Segundo Paim, é preciso fazer pressão sobre o governo e todos os parlamentares para avançar na regulamentação do direito de greve, que o senador considera um direito pleno de todos os trabalhadores.

— A questão do direito de greve é um problema de todos os partidos. Aqueles que ideologicamente mandaram no país durante 500 anos nunca regulamentaram o direito de greve. Isso não é desculpa para que nós, estando no governo, já não tenhamos regulamentado nesses 12 anos. A cobrança tem que ser em cima de todos os partidos – afirmou Paim.

Agência Senado

quarta-feira, 26 de março de 2014

O fracasso da cultura da punição violenta. Mas insistimos com ela ...


Que esperança de futuro estamos dando para milhões das nossas crianças? A prisão aos 16, 15, 14 anos? 
A nossa sociedade, a nossa civilização - ocidental -  tem uma obsessão pela punição. Tudo o que é considerado erro, desvio de conduta, violação das normas legais, da ética socialmente aceita, etc,  merece ser punido, penalizado. De preferência com o aprisionamento, a reclusão, a exclusão dos (as) que violam de alguma maneira tair normas em relação ao meio social ao qual pertencem. A lógica da punição, da privação da liberdade é a tônica. Em outros momentos, essa mesma lógica descambou para a agressão física pura e simples. Do espancamento em público ao assassinato de quem descumpria as regras. Aqui e ali, essa lógica da exclusão pela eliminação da vida, permanece. Em alguns países consdierados muito desenvolvidos, como em várias unidades da federação conhecida como Estados Unidos da América, matar  quem viola algumas leis é regra, notadamente quando tais violações atingem outras vidas. Por lá, em alguns estados, crianças são punidas como adultos em função dos erros que cometem. O resultado disso tudo? Há mais de dois milhões de presos atualmente nos EUA, a maior taxa do mundo. São assassinos, traficantes, ladrões, estupradores, etc. Dois milhões! Alguém pode dizer que o fato de lá existirem punições severas e leis ágeis impede que o número de crimes seja menor do que é. Mas ninguém se pergunta realmente sobre as causas de tamanha criminalidade.
Não sou nenhum defensor radical contra a punição em alguns dos termos acima apresentados. Não sou daqueles ultra românticos que acham que tudo pode ser resolvido com boa conversa e distribuição de compreensão para qualquer circunstância de violação das regras, leis e códigos de conduta socialmente construídos. Ao mesmo tempo, sou daqueles que entendem que muitas das leis e regras sociais dizem muito mais respeito aos interesses das classes dominantes e são geralmente recobertos, ou encobertos, por discutíveis interesses ideológicos voltados para manter a sua dominação sobre a grande maioria da população. Poderia ficar horas discorrendo sobre isso, mas fica para outra oportunidade.
Volto ao ponto central deste texto, a cultura da punição, do uso da violência, da exclusão, do banimento, da dor, para punir quem erra. Aqui está minha reflexão central. Vamos a ela!
A cultura ocidental é cristã. O cristianismo é hebraico/judeu nas suas raízes. A cultura judaica é punitiva na sua essência e nós herdamos de modo praticamente absoluto essa visão de que os erros precisam ser castigados. Estou ficando maluco? De modo algum! Nossa cultura, ou parte significativa dela, nossa forma de encarar o erro, o equívoco e os mecanismos utilizados há milênios para "corrigir" quem erra está umbilicalmente ligado à tradição judaica da culpa. E a raiz desse pensamento está no Velho Testamento, escrita com todas as palavras em "Gênese", ou seja, no nascimento da humanidade. Pela tradição judaica, a humanidade carrega em si o pecado, o erro, a tendência a violar as ordens divinas. E por isso merece ser punida. Muito punida. Em alguns momentos, até à extinção.
Se alguém achar que estou exagerando, é só olhar para os mitos fundadores do judaísmo: Adão e Eva (punidos com a expulsão do paraíso após Eva ter desvirtuado o bom Adão por influência da serpente malévola). Caim, após matar seu irmão Abel, foi punido com o exílio e a marca da traição em sua testa. Mais à frente, Deus - essa manifestação hebraica de intensa intolerância com o erro humano - decidiu eliminar toda a humanidade através do dilúvio - ainda que tenha se "arrependido" (palavras bíblicas, não minhas) e resolveu no último momento salvar Noé e sua família para repovoarem o mundo. A cultura da punição está absolutamente inserida e gravada em pedra (segundo a bíblia), nos Dez Mandamentos. Ao longo da sua história, conforme as narrações bíblicas, Deus puniu a torto e a direito os povos que nele se recusavam a acreditar bem como os próprios hebreus que, vez em quando, tinham recaídas religiosas ao cultuarem outros "falsos" deuses.

                          Para a primeira desobediência, o castigo eterno. Não há espaço para a remissão fora da dor ...

                                O destino eterno para quem descumpre as leis divinas: punição eterna

A cultura da punição e do uso da violência espalhou-se de maneira quase apocalípitica posteriormente na Europa e arredores, já nos tempos cristãos, pelas mãos da Igreja Católica. Quero crer que todos (as) que estejam lendo este texto conhecem minimaente o pavor que se instalou durante a Idade Média entre a massa camponesa e entre parte significativa da nobreza feudal, diante da "ira de Deus" contra os pecados humanos. Tudo era pecado. Tudo era punível. Tudo era objetivo de medo. A cultura do medo, do "isso é errado aos olhos de Deus" era alimentada com o pavor pelas  punições, a mais terrível delas, claro, a temerária temporada infinita no inferno, com castigos indizíveis a serem sofridos no reino de Satanás. A cultura do medo da ira divina, do medo da prisão, tortura e assassinato, atingiu níveis paranóicos durante a "santa" inquisição. Centenas de milhares foram mortos (as) pelas mãos inquisidoras de uma igreja que se dizia represente do Deus que tudo vê, tudo ouve, tudo sabe. Logo, herdeiros que somos desta tradição multi milenar, somos criados desde cedo para acreditar que a qualquer momento estamos sujeitos à punição divina - e a partir do século XV, XVI, sujeitos à punição estatal -  Individual e coletivamente falando. E esse medo permanece, em graus variados, nas nossas mentes e ações cotidianas. Se hoje não há punições religiosas mensuráveis em termos legais, ela ainda atemoriza milhões psicologicamente. Do menino que se masturba sozinho em algum lugar, à mulher que se sente uma pecadora contumaz por ter mais do que um (a) parceiro (a) sexual. E se hoje as nossas punições efetivas são pelas mãos do Estado, ainda assim a cultura do medo e da punição divina se faz intensamente presente. E para este medo, padres, pastores e outros menos cotados se fazem presentes como intermediários entre a humanidade e o divino.
                       A "recuperação" pela punição. Como recuperar alguém que vive nesse tipo de inferno?

Geralmente somos bastante incapazes de buscar corrigir os erros alheios, notadamente aqueles considerados erros - ou crimes - perante as leis, à justiça, fora da esfera da punição, isolamento, encarceramento ou morte. Sempre que a sociedade é assolada por determinados fenômenos recorrentes de violação das leis, da ordem ou da vida, a única solução que costumamos apontar é a punição. Geralmente clamamos por mais leis, penas maiores, mais duras, mais castradoras. Basta ver a histeria coletiva que tomou conta do noticiário e das discussões mais recentes sobre a questão da redução da maioridade penal para que a pessoa acima dos 16 anos vá para cadeia, nos termos da lei. Punir! Punir sempre e cada vez mais é a tônica do nosso debate e a sociedade geralmente se divide entre os que são a favor ou contra o aumento de penas, leis, etc. O enorme peso da herança cultural da castração divina aparece com muita força nesses momentos. Punir, punir e punir! Eis a solução!
 E como sempre aconteceu ao longo da trajetória humana, tudo continua geralmente como antes. Crimes continuam a ser cometidos, em escalas variáveis, mas continuam. E pior do que continuarem a existir, multiplicam-se os tipos de criminalidade.  Estupros, assassinatos, roubos, furtos, tráfico, corrupção, beber e dirigir...e por aí vai! Somos incapazes de perceber que simplesmente retirar uma pessoa do convívio social e jogá-la em uma masmorra - pois nossas cadeias são masmorras modernas e de modernas só têm mesmo o tempo no qual existem - além de não recuperar ninguém, geralmente, torna quem nelas passa algum tempo mais violenta ou corrompida do que era. Nosso sistema penal/punitivo acentua a violência. Nossos aparatos policiais são violentos e quanto mais o são, mais violência deles alguns segmentos sociais assustados com a escalada da criminalidade exigem.
Somos incapazes de debater às claras e racionalmente as causas da violência. Somos incompetentes para perceber que a violência sempre se estabeleceu de modo muito intenso em sociedades desiguais, nas quais uma minúscula parcela se apropria da maior parte da riqueza e relega à maior parte migalhas a serem disputadas a tapa - ou pelo roubo, pelo assassinato, pelo tráfico e outros desdobramentos violentos e artimanhas - por uma gigantesca massa de desvalidos e que parte dessa aglomeração humana de pobres e miseráveis vai descambar para o confronto aberto com as leis e com as propriedades e vidas alheias. Somos incapazes de compreender a história e com ela aprender algo efetivo, para além de nomes de figuras importantes e acontecimentos marcantes (geralmente oriundos da própria violência. Afinal, como nos ensinou o velho Marx, a violência é a parteira da História). Somos incapazes de nos livrar dos cabrestos do pensamento das elites concentradoras de renda que usam a violência que normalmente brota das camadas populares através de crimes contra a ordem e a propriedade por elas defendidas, para justificar a necessidade de impor ao conjunto social mais leis, mais punições. E cada vez mais cedo. Transferimos para nós mesmos a culpa e clamamos para que o ciclo punitivo se intensifique, se torne mais repressor. É um ciclo sem fim! 
 
A quem de fato estamos salvando? O conjunto da sociedade? Tenho imensas dúvidas!
Ao invés de interpretarmos e criarmos soluções efetivas para as causas da violência, caímos no conto de que tudo não passa de uma degeneração moral e que o degenerado moral merece a severidade, o rigor da lei. Da cadeia à morte! E ao cairmos nesse verdadeiro conto do vigário que as elites nos impõem, somos, nós próprios, coveiros do nosso futuro como sociedade. Se é verdade que avançamos um pouco na diminuição da miséria absoluta no Brasil nos últimos anos, é verdade também que ela continua muito grande pois a concentração de renda permanece elevadíssima. Poucos com muito e muitos com muito pouco, alimenta e retroalimenta a violência. Tentar resolver uma coisa sem solucionar a outra é impossível.
               O avanço relativo na renda o povo não esconde o óbvio: a concentração de renda permanece gigantesca

Diminuam a maioridade penal para 16 anos. Em breve, estaremos debatendo a diminuição para 15, 14, 13. Isso é um poço sem fundo. Ao invés de desenvolvermos um sistema de efetiva inclusão social, aprofundamos a cultura da exclusão. E seguimos em frente acreditando que a força da lei nos salvará! Ou, quem sabe, com um pouco de sorte, Deus nos protegerá dos ímpios, dos infiéis e degenerados sociais. Só não contem comigo para disseminar essa fantasia! 


por Altair Freitas em seu blog "Palavras ao Tempo"