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quarta-feira, 22 de julho de 2015

O Judiciário no Brasil, segundo Comparato (2)


Religioso, jornalista e revolucionário, Frei Caneca é condenado à morte por rebelar-se contra o Império, em 1825

Religioso, jornalista e revolucionário, Frei Caneca é condenado à morte em 1825, por rebelar-se contra o Império na Confederação do Equador

“Em todo o Brasil a Justiça pode ser comprada”, escreveu, no início do século XIX, visitante estrangeiro. Regra marcou ação dos juízes, do Império à República


Estudo especial de  Fábio Konder Comparato

Imagem: Antonio Parreiras




Brasil monárquico

A permanente duplicidade de ordenamentos jurídicos – um oficial, raramente aplicado, e outro não-oficial, mas sempre efetivo – acentuou-se após a independência do país. Como escreveu Sérgio Buarque de Holanda, “dificilmente se podem compreender os traços dominantes da política imperial sem ter em conta a presença de uma constituição ‘não escrita’ que, com a complacência dos dois partidos, se sobrepõe em geral à carta de 24 e ao mesmo tempo vai solapá-la”.[14]

A revolta política que levou à independência do país fez-se sob a égide de um pequeno grupo de intelectuais, fascinados pelos ideais libertários e igualitários da Revolução Francesa, logo depois consolidada em forma monárquica, ideais esses que inspiraram a redação de nossa primeira Carta Política. Para os potentados econômicos locais, porém, o que importava, antes de tudo, era o acesso aos principais cargos administrativos e políticos, monopolizados pelos homens de ultramar.

A Constituição de 1824 estabeleceu, solenemente, “a Divisão e harmonia dos Poderes Políticos” como “o princípio conservador dos Direitos dos Cidadãos e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece” (art. 9). De acordo com tal princípio, o Poder Judicial passou a ser um dos quatro Poderes Políticos (art. 10). Na vida real, porém, essa proclamada autonomia dos órgãos judiciários em relação aos demais Poderes foi sempre ilusória. O corpo de magistrados permaneceu estreitamente ligado às famílias dos ricos proprietários no plano local, e subordinado ao Poder Executivo central na Corte.

TEXTO-MEIO

Em 1827, reproduzindo modelo já existente em Portugal, foi criado o cargo de juiz de paz, a ser preenchido por pessoas sem formação específica e não remuneradas, eleitas pelos cidadãos de cada paróquia. O Código de Processo Criminal de 1832, promulgado sob o influxo das ideias liberais, confirmou a inovação e ampliou a competência desses magistrados. Nos processos-crimes, cabia-lhes realizar o corpo de delito, prender e interrogar os suspeitos, bem como denunciá-los perante o juiz de direito. Nos processos cíveis, deviam eles procurar preliminarmente a conciliação entre as partes, tendo competência para julgar as causas de pequeno valor. Além disso, atuavam ainda os juízes de paz em matéria eleitoral, determinando em cada pleito quem teria direito de voto.

Finalmente, competiam ainda a tais magistrados várias funções policiais, tais como executar as posturas das Câmaras de Vereadores sobre ordem e disciplina urbanas, resolver as contendas entre moradores do distrito acerca de caminhos, pastos e danos contra a propriedade alheia, destruir quilombos e comandar a força armada para desfazer ajuntamentos que ameaçassem a ordem estabelecida.

Escusa dizer que tal instituição, malgrado sua aparência democrática, tornou-se na realidade um instrumento decisivo no exercício do poder local pelos senhores de engenho e grandes fazendeiros; os quais, aliás, jamais se furtaram, em muitos casos, a se fazerem eleger, eles próprios, como juízes de paz.

Por outro lado, e em aparente contraste com essa hegemonia dos poderosos do sertão, o corpo de magistrados, com exceção dos juízes de paz, permaneceu – sobretudo a partir da “política de regresso” dos conservadores, instaurada em 1841 com a reforma do Código de Processo Criminal – submetido ao poder político central. Competia doravante ao próprio Imperador nomear diretamente os juízes de órfãos, os juízes municipais (com funções diversas das dos juízes de paz), os juízes de direito (com competência territorial mais ampla) e os promotores públicos.

Em pouco tempo, o processo de submissão do Judiciário ao Executivo ampliou-se. A tal ponto que, em Circular de 7 de fevereiro de 1856 dirigida aos Presidentes das Províncias, o Imperador determinou que, “competindo ao Poder Judiciário a aplicação aos casos ocorrentes das leis penais, civis, comerciais e dos processos respectivos, cesse o abuso que cometem muitas autoridades judiciárias, deixando de decidir os casos ocorrentes, e sujeitando-os como dúvidas à decisão do governo imperial, pela qual esperam, ainda que tardia seja, sobrestando e demorando a administração da Justiça, que cabe em sua autoridade, e privando assim aos Tribunais Superiores de decidirem em grau de recurso e competentemente as dúvidas que ocorrerem na apreciação dos fatos e aplicação das leis”.[15]

Obviamente, no entanto, por ocasião das nomeações de magistrados locais, os chefes políticos da Corte ou das províncias acabavam sempre por se compor com os grandes senhores rurais, quando mais não fosse porque as eleições políticas eram decididas por estes últimos. Ainda aí, por conseguinte, o ordenamento jurídico oficial não existia para valer, servindo unicamente de fachada do edifício público.

Uma duplicidade ainda mais escandalosa ocorreu, durante todo o Império, em matéria de escravidão.

A Constituição de 1824 declarou “desde já abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis” (art. 179, XIX).

Em 1830, porém, foi promulgado o Código Criminal, que previu a aplicação da pena de galés. Conforme o disposto em seu art. 44, ela “sujeitará os réus a andarem com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos trabalhos públicos da província, onde tiver sido cometido o delito, à disposição do Governo”. Escusa dizer que essa espécie de penalidade, tida por não cruel pelo legislador de 1830, só se aplicava de fato aos escravos.

E havia mais. Apesar da expressa proibição constitucional, os cativos foram, até as vésperas da Abolição, mais precisamente até a Lei de 16 de outubro de 1886, marcados com ferro em brasa, e regularmente sujeitos à pena de açoite. O mesmo Código Criminal, em seu art. 60, fixava para os escravos o máximo de 50 (cinquenta) açoites por dia. Mas a disposição legal nunca foi respeitada. Era comum o pobre diabo sofrer até duzentas chibatadas num só dia. A lei referida só foi votada na Câmara dos Deputados porque, pouco antes, dois de quatro escravos condenados a 300 açoites por um tribunal do júri de Paraíba do Sul vieram a falecer.

Tudo isso, sem falar dos castigos mutilantes, como todos os dentes quebrados, dedos decepados ou seios furados.

Ora, até a Abolição, os órgãos judiciários jamais se preocuparam em impedir a aplicação desse direito não escrito da escravidão, quando mais não fosse porque vários magistrados eram proprietários de fazendas, com bom número de escravos.[16]

O melhor exemplo dessa cegueira deliberada dos órgãos judiciários a respeito dos abusos do sistema escravista foi a permanência do tráfico negreiro por longos anos, em situação de gritante ilegalidade.

Um alvará de 26 de janeiro de 1818, baixado pelo Rei português ainda no Brasil, em cumprimento a tratado celebrado com a Inglaterra, determinou a proibição do comércio infame sob pena de perdimento dos escravos, os quais “imediatamente ficarão libertos”. Tornado o país independente, firmou-se com a Inglaterra nova convenção, em 1826, pela qual o tráfico que se fizesse depois de três anos da troca de ratificações seria equiparado à pirataria. Durante a Regência, sob pressão dos ingleses, tal proibição foi reiterada com a promulgação da Lei de 7 de novembro de 1831. Pelo teor desse diploma legal, eram declarados livres “todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora”. Eles seriam reexportados “para qualquer parte da África”, e os “importadores” sujeitos a processo penal; entendendo-se por “importadores”, não só o comandante, o mestre e o contramestre da embarcação, mas também os armadores da expedição marítima, bem como todos aqueles que “cientemente comprarem como escravos” as pessoas ilegalmente trazidas ou desembarcadas no Brasil.

Como se tratava simplesmente de uma “lei para inglês ver”, segundo a expressão consagrada, nenhuma das penas nela cominadas foi jamais aplicada em juízo. Calcula-se terem sido para aqui contrabandeados como escravos, desde a promulgação daquele diploma legal até 1850 – quando entrou em vigor a Lei Eusébio de Queiroz, que reiterou a proibição do tráfico negreiro – nada menos do que 750 mil africanos.

Mesmo após a promulgação desta última lei, no entanto, a responsabilização criminal dos traficantes de escravos e seus comparsas deixou de ser plenamente efetivada, dado que a competência para julgar tais crimes era do tribunal do júri, cujos integrantes submetiam-se, obviamente, à pressão dos potentados locais. [17] Como assinalou Saint-Hilaire, “o temor das vinganças, muito fáceis no interior, onde a polícia é quase sem força, contribui a tornar os jurados mais indulgentes; eles são a isso levados pelo hábito bem antigo de ceder a todas as solicitações (empenhos)”. E acrescentou que até 1847 a própria legislação em vigor estimulava a “excessiva moleza” dos jurados. [18]
Não era de surpreender, por conseguinte, se por efeito da ausência de controles oficiais efetivos sobre a atuação da magistratura, sua honestidade durante o Império tenha deixado muito a desejar.

Os mentores intelectuais da Constituição de 24 de março de 1824, sem dúvida preocupados com a longa tradição de venalidade do corpo judiciário durante o período colonial, decidiram incluir dois dispositivos tendentes a extirpá-la, senão reduzi-la ao máximo:

Art. 156 – Todos os Juízes de Direito e os Oficiais de Justiça são responsáveis pelos abusos de poder e prevaricações que cometerem no exercício de seus Empregos; esta responsabilidade se fará efetiva por Lei regulamentar.
Art. 157 – Por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra eles ação popular, que poderá ser intentada dentro de ano e dia pelo próprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo obedecida na Lei.

Não se sabe se tais determinações constitucionais foram cumpridas. O que se sabe, porém, é que alguns ilustres viajantes estrangeiros – e até o próprio Imperador D. Pedro II – fizeram questão de pôr em foco a generalizada corrupção da magistratura, que grassou durante o período monárquico.

No relato de sua Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, efetuada no segundo decênio do século XIX, Auguste de Saint-Hilaire comenta que “em um país no qual uma longa escravidão fez, por assim dizer, da corrupção uma espécie de hábito, os magistrados, libertos de qualquer espécie de vigilância, podem impunemente ceder às tentações”. [19]

Na mesma época, o comerciante John Luccock, que para cá viera após a Abertura dos Portos, comentando o costume da aquisição por vizinhos, em hasta pública, de terras penhoradas pelo não pagamento de impostos, observa:

“Nessa transação, observam-se estritamente as formalidades legais e tem-se a ilusão de que a propriedade foi adjudicada ao maior ofertante da hasta pública; mas na realidade, o favoritismo prevalece sobre a justiça e o direito, pois que não há ninguém bastante atrevido para aumentar o lance de uma pessoa de fortuna e influência.” […] “Na realidade, parece ser de regra que em todo o Brasil a Justiça seja comprada. Esse sentimento se acha por tal forma arraigado nos costumes e na maneira geral de pensar, que ninguém o considera ilegal [a tort]; por outro lado, protestar contra a prática de semelhante máxima pareceria não somente ridículo, como serviria apenas para atirar o queixoso em completa ruína.” [20]

Aliás, como apontou Charles Darwin em seu diário da viagem do Beagle, [21] em data de 3 de julho de 1832, quando fazia estadia no Brasil, a desonestidade da Justiça era apenas uma parte da corrupção generalizada do serviço público:

“Não importa o tamanho das acusações que possam existir contra um homem de posses, é seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados. Um homem pode tornar-se marujo ou médico, ou assumir qualquer outra profissão, se puder pagar o suficiente. Foi asseverado com gravidade por brasileiros que a única falha que eles encontraram nas leis inglesas foi a de não poderem perceber que as pessoas ricas e respeitáveis tivessem qualquer vantagem sobre os miseráveis e os pobres.”

Segundo consta, nem mesmo o mais alto tribunal do Império permaneceu isento de corrupção. Em declaração ao Visconde de Sinimbu, D. Pedro II desabafou:

“A primeira necessidade da magistratura é a responsabilidade eficaz; e enquanto alguns magistrados não forem para a cadeia, como, por exemplo, certos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal de Justiça, não se conseguirá esse fim”. [22]

O período republicano

A Constituição de 1891, ao dispor sobre o Poder Judiciário, estabeleceu expressamente, mas tão-só para os juízes federais, a garantia de vitaliciedade, determinando ainda que “os seus vencimentos serão determinados por lei e não poderão ser diminuídos” (art. 57, caput e § 1º). Tal norma deixava supor que essas garantias constitucionais não seriam necessariamente aplicáveis à magistratura estadual; o que felizmente foi afastado.

Durante os governos militares de Deodoro e Floriano, houve grande pressão política para submeter os julgamentos do novo Supremo Tribunal Federal ao poder de controle final do Senado. Como a Carta Política estabelecera, à imagem da Constituição norte-americana, a competência do Senado Federal para julgar os Ministros do Supremo em caso de impeachment, sustentou-se que, mesmo fora dessa hipótese, caberia àquele órgão político rever as decisões da mais alta Corte de Justiça. Essa opinião absurda recebeu longa e profunda refutação por parte de Rui Barbosa, em seu discurso de posse do lugar de sócio do Instituto dos Advogados, na sessão de 11 de maio de 1911.[23] Ela foi, afinal, abandonada.

Registre-se, porém, a conclusão desalentadora de João Mangabeira sobre atuação do Supremo Tribunal Federal, desde sua instituição até o início do Estado Novo getulista em 1937: [24]

“O órgão que a Constituição criara para seu guarda supremo, e destinado a conter, ao mesmo tempo, os excessos do Congresso e as violências do Governo, a deixava desamparada nos dias de risco ou de terror, quando, exatamente, mais necessitada estava ela da lealdade, da fidelidade e da coragem dos seus defensores.”

Registre-se ainda que durante a República Velha, com apoio nas ideias federalistas, a dominação de fato dos potentados locais (os famosos “coronéis”) sobre os magistrados recrudesceu enormemente.

A Constituição de 1934, que vigorou apenas por três anos, acrescentou em benefício dos magistrados, além da vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos, também a garantia da inamovibilidade, sem fazer distinções entre juízes ou tribunais federais e estaduais (art. 64). Dispôs, contudo, que “os juízes, ainda que em disponibilidade, não podem exercer qualquer outra função pública, salvo o magistério e os casos previstos na Constituição”; acrescentando que “a violação deste preceito importa a perda do cargo judiciário e de todas as vantagens correspondentes” (art. 65).

A Constituição de 1946 estabeleceu para os magistrados em geral, além das três garantias acima citadas, a determinação de que “a aposentadoria será compulsória aos setenta anos de idade ou por invalidez comprovada, e facultativa após trinta anos de serviço público, contados na forma da lei” (art. 95).

Instaurado o regime de exceção empresarial-militar com o golpe de Estado de 1964, manteve-se pro forma a vigência do ordenamento constitucional, com a supressão de fato das liberdades e garantias individuais, bem como dos direitos sociais. Em 13 de dezembro de 1968, o chamado Ato Institucional nº 5 emasculou a magistratura, ao decretar a suspensão oficial das garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade (art. 6º), além de oficializar a suspensão do habeas corpus “nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular” (art. 10). Isto quanto à Justiça Civil, pois a Justiça Militar, durante toda a duração do regime autoritário, colaborou vergonhosamente na repressão dos opositores políticos.[25]

Extinto o regime autoritário, foi promulgada em 1988 a Constituição Federal em vigor, a qual regulou o Poder Judiciário com muito maior amplitude do que todas as anteriores.

Aliás, já na fase final do regime autoritário, exatamente em 14 de março de 1979, foi editada a Lei Complementar nº 35, instituindo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Entre outras disposições, essa lei criou o Conselho Nacional da Magistratura. Em 1998, porém, em simples despacho de um de seus Ministros, o Supremo Tribunal Federal julgou-o extinto, em razão da superveniência àquela Lei Complementar da Constituição Federal de 1988, a qual nada dispunha a respeito do mencionado Conselho. Ele foi, afinal, ressuscitado, doravante sob a denominação de Conselho Nacional de Justiça, pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004.

A criação desse órgão de controle da magistratura veio, sem dúvida, atender à necessidade – longamente sentida desde o período colonial, como lembrado acima – de se estabelecer um regime de responsabilidade mais amplo e preciso dos magistrados. A reação destes à criação do novo órgão foi, porém, desde logo muito negativa. Antes mesmo de sua publicação oficial, a Emenda nº 45 foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3367), proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros. O Supremo Tribunal Federal, embora afastando por unanimidade o vício formal da inconstitucionalidade, decidiu tão-só por maioria julgar improcedente a ação em sua totalidade.

Assinale-se, por fim, como evento significativo de um começo de mudança na mentalidade conservadora de nossos magistrados, a fundação em 13 de maio de 1991 da Associação Juízes para a Democracia. Ela tem como objetivos estatutários a defesa do regime democrático de direito, fundado na dignidade da pessoa humana, a democratização interna do Poder Judiciário, bem como a valorização das funções jurisdicionais como autêntico serviço público, isto é, serviço ao povo.



NOTAS

[14] História Geral da Civilização Brasileira, II – O Brasil Monárquico, 5 Do Império à República, São Paulo (Difusão Europeia do Livro), 1972, pág. 21.
[15] Apud Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império, Rio de Janeiro (Editora Nova Aguilar), 1975, pág. 233.
[16] Vejam-se, a esse respeito as Memórias de um Magistrado do Império, do Conselheiro Albino José Barbosa de Oliveira (Companhia Editora Nacional, Coleção Brasiliana vol. 231, 1943, pp. 246 e ss.), o qual foi desembargador em dois tribunais da relação e tornou-se, no fim da vida, conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça
[17] Eis porque o velho Nabuco, em discurso na Câmara, propôs fosse suprimida a competência do júri para julgar tais crimes. Cf. Joaquim Nabuco, Minha Formação, Editora 34, 2012, pp. 171/172.
[18] Voyage dans les Provinces de Saint-Paul et de Sainte-Catherine, tomo primeiro, Paris (Arthus Bertrand, Libraire-Éditeur), 1851, pág. 138
[19] Obra publicada pela Editora Itatiaia Limitada, em colaboração com a Editora da Universidade de São Paulo, 1975, pág. 157.
[20] Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil, Editora da Universidade de São Paulo – Livraria Itatiaia Editora Ltda., 1975, pág. 321.
[21] O Diário do Beagle, Editora UFPR, 2006, pág. 100.
[22] Apud José Murilo de Carvalho, D. Pedro II – Ser ou Não Ser, Companhia das Letras, 2007, pág. 83.
[23] Rui Barbosa, Escritos e Discursos Seletos, Rio de Janeiro, Companhia Aguilar Editora, 1966, pp. 548 e ss.
[24] Rui, O Estadista da República, Coleção Documentos Brasileiros nº 40, Livraria José Olympio Editora, 1943, pág.78.
[25] Veja-se a esse respeito o estudo de Anthony W. Pereira, Political (In)Justice – Authoritarianism and the Rule of Law in Brazil, Chile, and Argentina, University of Pittsburgh Press, 2005; cuja edição brasileira foi publicada sob o título Ditadura e Repressão – O autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na Argentina, Paz e Terra, 2010. Nesse estudo, enfatiza-se que, enquanto no Chile e na Argentina o Poder Judiciário foi claramente afastado do sistema repressivo, entre nós os órgãos da Justiça Militar não tiveram dificuldade alguma em colaborar com a repressão.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Climatização nos fóruns da Baixada Santista.



Na tarde de 20.07, no fórum de Santos, o SINTRAJUS rep. por Michel Iorio e Gisele Alonso e a Assojubs Servidores Do Judiciário por Alexandre dos Santos e Silvio Realle estiveram com o Dr. Valdir Ricardo Lima Pompêo Marinho resp. pela Diretoria do Departamento de Administração da 7ª Região Administrativa Judiciária (DARAJ 7) para tratar da falta de climatização dos fóruns da região. Anteriormente, no dia 14.07, estiveram com o juiz assessor Mario Sergio Leite, da Assessoria de Patrimônio e Contratos do Tribunal de Justiça e Eduardo Roberto Alcântara, secretário de Administração do TJ foi relatado o andamento dos projetos referentes aos Fóruns de Santos e Cubatão. O projeto para a capacitação da cabine primária de energia do Fórum de Santos está pronto. O Sistema de climatização será por andar. Há o prazo de 45 dias para elaboração do Edital. Em seguida, a divulgação. Escolhido o prestador de serviço, este terá o prazo de 150 para inicar a obra.Segundo os representantes do TJ-SP outra Comarca listada como prioridade é a Comarca de Cubatão. Com o mesm problema da capacitação da cabine primária. Tal projeto também está finalizado, mas depende de recurso, que neste ano foram consumidos com casos emergenciais, como exemplo o alagamento no Fórum de Praia Grande. O rep. da DARAJ 7 afirmou por fim que tal obra estárá no próximo orçamento (2016) como prioridade. Quanto ao novo prédio do Fórum de Santos que contemplará Seção Administrativa de Distribuição de Mandados (SADM), o Colégio Recursal, a Secretaria da Área da Saúde (Perícias Médicas) e as unidades regionais do Daraj 7 ainda não foi entregue devido à ajustes previsto no contrato celebrado. Fotos: Camila Marques/Assojubs.

O Judiciário no Brasil, segundo Comparato (1)


150717-julgamentoB


Em estudo especial, um grande jurista brasileiro traça história de um poder submisso às elites, corrupto em sua essência e comprometido secularmente com a Injustiça...


Por Fábio Konder Comparato |

Imagem: Antonio ParreirasJulgamento de Filipe dos Santos (1936)


“A quem há de ser atribuída no Estado a função jurisdicional? 

Em razão do que, devem os titulares desse poder exercê-lo? 

É admissível que os órgãos judiciários atuem sem controles? 

A resposta a tais perguntas fundamentais não pode ser feita no plano puramente teórico, sem uma análise concreta da realidade social em que se insere a organização política. Este artigo busca definir, com base nesses elementos estruturantes, a característica própria da realidade social brasileira nos cinco séculos de sua formação histórica, para poder compreender, em seguida, a atuação dos órgãos judiciários dentro desse amplo contexto social, e concluir com uma proposta de mudança em função do bem comum.”

Assim resume seu estudo sobre o poder judiciário brasileiro o professor Fábio Konder Comparato, professor titular de Filosofia do Direito e professor emérito da USP, doutor em Direito pela Universidade de Paris e doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra. Autor de vários livros, entre eles Muda Brasil – um projeto de Constituição, de 1987, com uma das primeiras propostas de regulação da mídia no país, Konder Comparato é reconhecido pela defesa da democracia e dos direitos humanos. Atuou em causas importantes da vida do país: foi um dos advogados de acusação no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor e autor de uma das ações populares contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce; criticou várias vezes a criminalização do MST e em 2009, ao lado da professora Maria Vitória Benevides, veio a público contra um editorial da Folha de S.Paulo que definiu como “ditabranda” a ditadura militar brasileira.

Ao dar um panorama da história brasileira da perspectiva do sistema judiciário, este estudo lança luz no poder talvez mais obscuro do tripé que governa a República. Aquele que, em sua máxima instância – o Conselho Nacional de Justiça –, não é submetido a controle algum. (Inês Castilho)
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TEXTO-MEIO


A função judiciária é essencial a toda organização política. Foi a partir da instituição dos juizados reais na Baixa Idade Média, garantindo paz e justiça às populações mais pobres, exploradas pelos barões feudais e menosprezadas pelas autoridades eclesiásticas, que nasceu e pôde desenvolver-se o Estado moderno.[1]
Em assim sendo, não se pode deixar de indagar: – A quem há de ser atribuída no Estado a função jurisdicional? Em razão do que, devem os titulares desse poder exercê-lo? É admissível que os órgãos judiciários atuem sem controles?
A resposta a tais perguntas fundamentais não pode ser feita no plano puramente teórico, sem uma análise concreta da realidade social em que se insere a organização política. Tal realidade define-se, essencialmente, por dois fatores intimamente relacionados: de um lado, a estrutura efetiva (e não apenas oficial) de poder dentro da sociedade; de outro lado, a mentalidade coletiva vigente, entendendo-se como tal o conjunto dos valores éticos predominantes no meio social. No Estado contemporâneo, notadamente no quadro da civilização capitalista, a mentalidade coletiva passou a ser moldada decisivamente pelo grupo social detentor do poder supremo, em função de seus próprios interesses.
Comecemos, pois, por tentar definir, com base nesses elementos estruturantes, a característica própria da realidade social brasileira nos cinco séculos de sua formação histórica, para poder compreender, em seguida, a atuação dos órgãos judiciários dentro desse amplo contexto social, e concluir com uma proposta de mudança em função do bem comum.

O Dualismo Estrutural da Sociedade Brasileira

Desde os primeiros decênios da colonização portuguesa, a sociedade aqui organizada apresentou um caráter dúplice: por trás do mundo jurídico oficial, protocolarmente respeitado, sempre existiu uma realidade de fato bem diversa, em geral oculta aos olhares externos, realidade essa em tudo conforme aos interesses próprios dos titulares do poder efetivo.
Estes últimos, ao longo de nossa evolução histórica, formaram uma parelha, constituída pela aliança dos potentados econômicos privados com os grandes agentes estatais. Os componentes desse casal político, desde o início da empresa colonizadora – pois a colonização do Brasil, como bem salientou Caio Prado Jr.,[2] teve um caráter nitidamente mercantil – buscaram, antes de tudo, realizar seus próprios interesses e nunca o bem comum do povo. Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil, publicada originalmente em 1627, assinalou esse fato com palavras candentes: “Nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.[3]
Na verdade, esse conúbio empresarial-estatal, bem ao contrário do que sustenta a ideologia do liberalismo econômico, é da essência do sistema capitalista. Como disse o grande historiador Fernand Braudel, que lecionou na Universidade de São Paulo logo após a sua fundação, e estudou em profundidade a história da civilização capitalista nos séculos XV a XVIII, [4] com particular atenção à economia brasileira, “o capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado”. [5] Ora, desde o início da colonização, o Brasil foi dotado de uma estrutura de poder e de uma mentalidade coletiva marcadas pelo “espírito capitalista” de que falou Max Weber.
Em consequência, nunca existiu, no seio de nossos grupos dominantes, uma clara consciência do patrimônio público: os recursos estatais, mesmo quando oriundos de tributos, sempre foram tidos como uma espécie de ativo patrimonial da sociedade de fato, formada pelos empresários privados e os agentes estatais. De onde decorreu o fato de a corrupção só dar ensejo à abertura de processo penal quando de pequeno montante. Para os grandes corruptos – pelo menos até bem pouco tempo, e fora da Administração Central! – sempre prevaleceu o velho costume da impunidade. Ou seja, suje-se gordo! como ilustrou Machado de Assis em conto famoso de Relíquias de Casa Velha.
Outro fator decisivo, na consolidação da estrutura de poder e na formação do caráter nacional brasileiro, foi a persistência legal do sistema de trabalho escravo durante quase quatro séculos. Importa salientar que a prática do escravismo não se limitou ao setor empresarial, à época fundamentalmente agrícola, mas abrangeu também, de modo amplo, o meio urbano, a vida doméstica e a própria Igreja Católica. Como assinalou o Visconde de Cairu em carta a um amigo, datada de 1781, “é prova de extrema mendicidade o não ter um escravo”.
Dentre os vários efeitos sociopolíticos engendrados pela escravidão no Brasil, dois merecem destaque.
Em primeiro lugar, a não-aceitação, na mentalidade coletiva e nos costumes sociais, do princípio de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos”, como proclama o Artigo Primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. A desigualdade social, com a qual nos defrontamos todos os dias, raramente nos escandaliza; ela aparece, ao contrário, como algo inerente à própria natureza humana. Luciano Figueiredo, Casa da Palavra, 2013, pp. 254/255.
No campo político, predomina a convicção de que o poder só pode ser eficientemente exercido pela camada superior da população, a mal chamada elite, e que a soberania popular, expressa logo no primeiro artigo de nossa atual Constituição, é mero ideal retórico. Ainda aí, como se vê, vigora a duplicidade de ordenamentos jurídicos, figurando o oficial como simples fachada do edifício público, em cujo interior – oculto aos olhares externos – a vida se organiza de forma bem diversa.
O segundo efeito grave do escravismo na organização da sociedade brasileira é a tolerância com o abuso de poder, público ou privado, velha herança da imunidade criminal de que sempre gozaram os grandes senhores de escravos. Os excessos ou abusos de poder são considerados fatos normais. Como bons exemplos dessa anomalia institucionalizada, basta lembrar a ausência de punição dos agentes estatais, responsáveis pelas inúmeras atrocidades cometidas sistematicamente durante a ditadura getulista e o regime empresarial-militar instaurado em 1964. Em ambos esses casos paradigmáticos, com o objetivo de “virar a página” ao término do regime de exceção, os oligarcas lançaram mão do instituto da anistia, com o beneplácito do Judiciário.

Posição do Judiciário no Contexto da Realidade Social Brasileira

O corpo de magistrados, entre nós, sempre integrou de modo geral os quadros dos grupos sociais dominantes, partilhando integralmente sua mentalidade, vale dizer, suas preferências valorativas, crenças e preconceitos; o que contribuiu decisivamente para consolidar a duplicidade funcional de nossos ordenamentos jurídicos nessa matéria. Ou seja, nossos juízes sempre interpretaram o direito oficial à luz dos interesses dos potentados privados, mancomunados com os agentes estatais, como se passa a expor.

Brasil colônia
 
Durante todo o período colonial, como as cidades no interior do território eram pouco numerosas e muito afastadas umas das outras, as autoridades judiciárias jamais puderam exercer, efetivamente, suas funções nas vastas áreas onde se estendia sua jurisdição. A consequência natural foi que a administração da justiça coube, inevitavelmente, aos poderosos do sertão, os quais detinham os postos de coronéis ou capitães-mores da milícia. Unia-se, assim, a força militar com o poderio econômico, o que fazia da administração da justiça uma verdadeira caricatura.
Os conselheiros do Rei, em Lisboa, procuraram corrigir essa distorção no final do século XVII, editando várias medidas, entre as quais a limitação do tempo de exercício da função militar de capitão-mor e a nomeação de juízes ordinários, em princípio não sujeitos ao poder dos grandes proprietários rurais. Evidentemente, tais medidas não produziram efeito algum, quando mais não fosse porque era impossível encontrar no sertão pessoas alfabetizadas em número suficiente para exercer as funções de magistrados. Levada essa questão ao conhecimento dos conselheiros da Coroa, responderam estes que pouco importava fossem os magistrados analfabetos, contanto que seus auxiliares imediatos soubessem ler e escrever…[6]
Na verdade, foi o forte vínculo de parentesco ou compadrio dos magistrados locais com as famílias de mor qualidade, que levou à criação dos juízes de fora. Como esclareceu em 1715 o Marquês de Angeja, Vice-Rei do Brasil, com essa nova espécie de magistrados procurava-se impedir que os juízes locais “permitissem aos culpados de prosseguir em seus crimes, em razão de parentesco ou deferência”.[7] Isto, sem falar no fato costumeiro de vários juízes tornarem-se fazendeiros ou comerciantes, apesar da incompatibilidade legal do desempenho de funções oficiais com o exercício de uma atividade econômica privada, quer em seu próprio nome, quer por intermédio de parentes ou amigos.
Como instâncias de recurso judiciário, mas exercendo também funções administrativas, tivemos inicialmente os donatários, em seguida os capitães-mores e os capitães-generais, e finalmente o Governador-Geral, depois denominado Vice-Rei. Em seguida, foram criados, com competência recursal e de corregedoria sobre os juízes de primeira instância, os ouvidores de comarca, e acima destes os ouvidores gerais, todos nomeados pelo Rei.  Nos séculos XVII e XVIII, fundaram-se, respectivamente na Bahia e no Rio de Janeiro, dois Tribunais da Relação, com competência revisional em última instância, tribunais esses cujo presidente nato era o Governador Geral, depois Vice-Rei.
Nenhum desses órgãos judiciários superiores, porém, pôde exercer o necessário controle dos atos das autoridades administrativas. Era mesmo costume que os Governadores, na qualidade de presidentes dos Tribunais da Relação, procurassem se conciliar as boas graças dos desembargadores, acrescentando aos ordenados destes, gratificações extraordinárias denominadas propinas.[8] E quanto à fiscalização que devia ser exercida pelo Conselho Ultramarino sobre o conjunto dos altos funcionários aqui em exercício, ela sempre deixou muito a desejar, pois até o século XVIII havia uma só viagem marítima oficial por ano entre Lisboa e o Brasil.
É de se lembrar, aliás, que o primeiro Ouvidor-Geral a exercer suas funções no Brasil, o Desembargador Pero Borges, aqui chegado com Tomé de Souza em 1549, tinha um passado funcional pouco limpo. Em 1547, ele foi condenado a devolver à Fazenda Régia o dinheiro que desviara das obras de construção de um aqueduto, de cuja supervisão fora encarregado, em sua qualidade de Corregedor de Justiça em Elvas, no Alentejo. A mesma sentença suspendeu-o por três anos do exercício de cargos públicos. No entanto, em 17 de dezembro de 1548 o Rei o nomeou Ouvidor-Geral no Brasil, ou seja, a maior autoridade judiciária abaixo do Governador-Geral. Vale dizer: para o exercício de cargos públicos nesta terra as condenações penais anteriores de nada contavam.[9]
Para nos darmos conta da generalidade dos casos de prevaricação de magistrados no período colonial, basta ler alguns ofícios de presidentes dos Tribunais da Relação da Bahia e do Rio de Janeiro no século XVIII.
Em 22 de janeiro de 1725, por exemplo, Vasco Fernandes César de Menezes escreveu da Bahia ao Rei de Portugal nos seguintes termos:
“Senhor – Pelo Conselho Ultramarino dou conta a V. Majestade do mal que procedem os Ouvidores do Ceará, Paraíba, Alagoas, Sergipe del Rei, Rio de Janeiro e São Paulo, e das desordens e excessos que se veem todos estes povos tão consternados e oprimidos, que justamente se fazem dignos de que a grandeza e piedade de V. Majestade lhes não dilate o remédio para que, com a dilatação dele não padeçam a última ruína ou precipício a que continuamente os provoca a crueldade e tirania destes bacharéis, que nenhum faz caso deste governo e muito menos desta Relação.” [10]
Por sua vez, em 21 de junho de 1768 o Marquês do Lavradio, na qualidade de Governador e Capitão-General da Capitania da Bahia de Todos os Santos, enviou ofício ao Vice-Rei Conde de Azambuja no Rio de Janeiro, no qual, entre outros fatos relata:
“O Corpo da Relação achei-o no estado que V. Excia. sabe a grande liberdade que eles se tinham tomado uns com os outros o interesse público, que eles costumavam tomar nos negócios particulares, em que eles estavam sendo juízes, finalmente a falta de gravidade com que estavam em um lugar tão respeitoso, tudo me tem obrigado a não faltar um só dia em ir presidir a Relação, donde me tem sido por várias vezes necessário mostrar-lhes ou dizer-lhes o modo com que devem conduzir-se, e a resolução em que estou de o não consertar diferentemente. Tenho o gosto de que já hoje há menos disputas naquele lugar, não embaraçam uns os votos dos outros, e procuram favorecer os seus afilhados com mais modéstia, ao menos com um tal rebuço, que é necessário bastante cuidado para se descobrir os seus afilhados particulares; porém, é certo que ainda os há, não considero que estes se acabem enquanto persistirem alguns dos Ministros que aqui se conservam.” [11]
Da mesma forma, em ofício enviado em 1767 ao Secretário de Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, o Vice-Rei do Brasil, Conde da Cunha, assim se referiu ao Tribunal da Relação do Rio de Janeiro:
“Os ministros desta Relação, que deviam concorrer para a boa harmonia do mesmo tribunal e para a boa arrecadação da Real Fazenda, uniram-se ao chanceler João Alberto Castelo Branco, para protegerem homens indignos, e outros devedores de quantias graves à Real Fazenda; estes procedimentos foram tão excessivos que até na mesma Relação e fora dela fizeram algumas desatenções ao procurador da Coroa.” [12]
Nenhuma surpresa, por conseguinte, se desde cedo entre nós, na maior parte dos casos, o serviço judiciário existiu não para fazer justiça, mas para extorquir dinheiro. No famoso Sermão de Santo Antônio Pregando aos Peixes, [13] o Padre Vieira denuncia o fato em palavras candentes:

“Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos, ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o Meirinho, come-o o Carcereiro, come-o o Escrivão, come-o o Solicitador, come-o o Advogado, come-o o Inquiridor, come-o a Testemunha, come-o o Julgador, e ainda não está sentenciado e já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.”



Notas
[1]Veja-se, a propósito, o estudo de Joseph R. Strayer, On the Origins of the Modern State, Princeton University Press, 1970, pp. 38 e ss.
[2]Formação do Brasil Contemporâneo, primeira edição em 1942.
[3]Capítulo segundo do Livro Primeiro.
[4]Cf. a obra em três volumes Civilisation matérielle, Économie et Capitalisme, Paris, Armand Colin, 1979.
[5]La dynamique du capitalisme, Flammarion, Paris, 2008, pág. 68.
[6]Sobre todo esse assunto, cf. C. R. Boxer, The Golden Age of Brazil – 1695/1750, University of California Press, 1962, pp. 209, 306 e ss.
[7] Cf. Stuart B. Schwartz, SoveReignty and Society in Colonial Brazil – The High Court of Bahia and its Judges, 1609-1751, University of California Press, 1973, pp. 257/258 ; 275 e ss.
[8]Stuart B. Schwartz, op. cit., p. 272.
[9]Cf. Eduardo Bueno, Ficha Suja, in História do Brasil para Ocupados, organização de Luciano Figueiredo, Casa da Palavra, 2013, pp. 254/255.
[10]Citado por Braz do Amaral, em notas e comentários às cartas de Luís dos Santos Vilhena, editadas sob o título A Bahia no Século XVIII, vol. II, Editora Itapuã – Bahia, 1969, pp. 358/359.
[11]Marquês do Lavradio, Cartas da Bahia 1768-1769, Ministério da Justiça, Arquivo Nacional, 1972, pág. 20.
[12]Apud Arno Wehling e Maria José Wehling, Direito e Justiça no Brasil Colonial – O Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808), Renovar (Rio de Janeiro, São Paulo e Recife), 2004, pág. 310
[13] Pregado em São Luís do Maranhão em 1654.
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Publicado a partir dos Cadernos IHU ideias
 

Fabio Konder Comparato

Fábio Konder Comparato possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1959) e doutorado em Direito pela Université Paris 1 (Panthéon-Sorbonne - 1963). Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra. É especialista em Filosofia do Direito, Direitos Humanos e Direito Político. É também titular da Medalha Rui Barbosa, conferida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Algumas publicações do autor: COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2013. 8. ed. 577 p. COMPARATO, Fábio Konder. Rumo à Justiça. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. v. 01. 449 p. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. COMPARATO, Fábio Konder. Sobre a Legitimidade das Constituições. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, v. 5, p. 19-56, 2005.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

O IAMSPE E O HOSPITAL BENEFICÊNCIA PORTUGUESA.

A COMISSÃO CONSULTIVA MISTA DO INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA AO SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - CCM IAMSPE REGIÃO BAIXADA SANTISTA E LITORAL SUL, representada por Michel Iorio (SINTRAJUS), Rosângela dos Santos (ASSOJUBS) e Viridiana Amaral Coelho (UDEMO), esteve na manhã de 16.07.15 no Hospital Beneficência Portugesa de Santos para tratar do recente convênio celebrado com o IAMSPE, relativo ao atendimento dos usuários da região. O objetivo da visita era dirimir algumas dúvidas apresentadas pelos funcionários públicos, sobre a assistência prestada no local. Ficou esclarecido que o contrato assinado não prevê consultas, somente pronto socorro 24 horas. Casos de emergência/urgência podem resultar em internações, com realização dos exames devidos e utilização de UTI. Assim, se o beneficiário passou pelo Pronto Socorro da Beneficência Portuguesa ou, pelo PS de outro hospital, bem como, pelo Centro de Assistência Médico Ambulatorial - Ceama ou, por qualquer consultório da rede credenciada do Iamspe, sendo considerado como caso de urgência (atendimento em 24 horas) ou de emergência (risco iminente de morte), deverá ser encaminhado à Beneficência Portuguesa. Informaram, também, que o aporte financeiro de aproximadamente R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) mensais será insuficiente, nos próximos meses, devido à demanda reprimida durante anos, sem um atendimento mínimo. A CCM Iamspe Baixada Santista e Litoral Sul protocolou recentemente ofícios destinados ao Superintendente do mencionado instituto, com solicitação de cópias do contrato firmado, para estudo. Por fim, está agendada uma reunião com o diretor do Ceama de Santos no próximo dia 20.07, às 10 horas, na Av. Afonso Pena, 219.

A valorização dos Escreventes Técnicos Judiciários!

Na tarde de 15.07, foi realizada uma reunião com os representantes do TJ-SP os juízes assessores Dra. Maria de Fátima Pereira da Costa e Silva, Dr. Fernando Awensztern Pavlovsky e a Secretária do Planejamento de Recurso Humanos (SPRH) Lilian Salvador Paula, a pedido protocolado desde abril de 2015 pela ASSOJUBS, ocasião em quem foi apresentado uma minuta de projeto de lei reivindicando o nível universitário para o cargo de Escrevente Técnico Judiciário. O SINTRAJUS rep. por Michel Iorio (Coordenador Geral) e a ASSOJUBS por Alexandre dos Santos (Presidente) e Silvio Realle (tesoureiro). Estiveram também presentes as entidades de classe ASSETJ, APATEJ, AFFOCOS e ASSOJURIS. A maior categoria no Judiciário Paulista, com mais de 30.000 escreventes técnicos judiciários (sem contar os agentes administrativos transformados na função), responsável pelo andamento processual, elaboração de documentos dentre outras atividades, tem sido nos últimos anos exigida cada vez mais,em virtude da complexidade de suas funções. O volume de trabalho, juntamente com a informatização exigiu um funcionário mais capacitado. Os Escreventes vem se atualizando constantemente  na área de sua atuação, porém o TJ-SP em contrapartica não acompanhou com a devida valorização em sua remuneração. O pleito será levado ao Presidente do TJ-SP, e após um estudo do impacto financeiro será agendado uma nova reunião. Aguardemos. Fotos: Camila Marques/Assojubs. 

terça-feira, 14 de julho de 2015

FRENTE EM DEFESA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS, ESTATAIS E DE QUALIDADE

A FRENTE EM DEFESA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS, ESTATAIS E DE QUALIDADE REIVINDICA A IMEDIATA SUSPENSÃO DO PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO DA UNIDADE DE PRONTO ATENDIMENTO QUE SUBSTITUIRÁ O PRONTO SOCORRO CENTRAL DE SANTOS.
Temos certeza que a terceirização de qualquer setor dos serviços públicos não é a solução para resolver os problemas da baixa qualidade do atendimento, pois como já é de amplo conhecimento, as terceirizações por meio das Organizações Sociais (OSs) há muitos anos tem proporcionado enormes prejuízos à população, aos cofres públicos, aos trabalhadores e à democracia.
PREJUÍZOS À POPULAÇÃO E AOS COFRES PÚBLICOS
Quem utiliza o serviço público de saúde será sem dúvida nenhuma o maior prejudicado com a terceirização, pois diversos exemplos em nossa região e pelo Brasil afora, comprovam que as OSs tornam o atendimento pior do que já é. O próprio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo demonstrou em relatório que o número de mortos nos hospitais terceirizados do Estado e que o custo da terceirização também é muito maior.
Apesar de nomeadas como “Organizações Sociais”, estas empresas têm como o único objetivo o lucro, transformando, por sua natureza, o direito à saúde em mercadoria. Além disso, temos visto OSs e prefeituras envolvidas em diversos casos de corrupção e superfaturamento na aquisição de materiais e equipamentos. Não é incomum que as contratações de OSs decorram de processos fraudulentos, muitas vezes com representantes das empresas intimamente ligados a prefeitos e vereadores.
PREJUÍZOS AOS TRABALHADORES E ATAQUE À DEMOCRACIA
Tanto os servidores quanto os demais trabalhadores contratados por Organizações Sociais são impostos a métodos gerenciais aplicados às empresas privadas, tais como: planejamento centralizado no empresário, metas inalcançáveis, condições de trabalho precárias, assédio moral, rebaixamento salarial, atrasos nos salários, transferências por motivos políticos e demissões. A terceirização retira dos servidores o direito de deliberar sobre as políticas públicas, condicionando-os à mera execução dos protocolos e métodos que lhes são impostos, sufocando a denúncia, o movimento sindical e a resistência às ações e omissões que  desqualificam as condições de trabalho e o atendimento à população.
As OSs restabelecem no serviço público o chamado: “manda quem pode e obedece quem tem juízo” dos tempos da ditadura, atacando conquistas históricas dos trabalhadores, principalmente os concursos públicos e o regime jurídico dos estatutários, estabelecidos para colocar fim à distribuição de empregos públicos para apadrinhados políticos.
As Organizações Sociais criam novas formas de curral eleitoral e alteram as relações trabalhistas, submetendo os servidores públicos estatutários às ordens e ao assédio de uma empresa ou substituindo-os por trabalhadores com frágil vínculo empregatício, pressionados durante as campanhas eleitorais por um patrão que quer manter seu contrato com o governo ou conseguir uma renovação ainda mais vantajosa.
EM SANTOS, SAÚDE SIM! OSs NÃO!

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Em defesa do Serviço Público.



A Frente em Defesa dos Serviços Públicos Estatais e de Qualidade promoveu um ato em frente à Secretaria Municipal de Saúde de Santos reivindicando a suspensão do processo de tercerização da UPA que substituirá o PS Central de Santos. Integrantes da Frente (servidores públicaos e trabalhadores de outros setores), munidos de faixas e caminhão de som, alertaram a população desse novo modelo de gestão, apesar da investida da Guarda Civil Municipal e Polícia Militar. Nesta manhã de 13.07 ocorreria a abertura dos envelopes com as propostas das empresas qualificadas para disputar a futura gestão da UPA. A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Central, construída pela Fundação Lusíada. Uma única organização social entregou os envelopes no prazo proposto pelo edital. A sessão de escolha da OS foi suspensa e continua quarta-feira (15), às 10 horas, na sala de reuniões da Secretaria de Saúde. Participam da FRENTE: Sindserv SantosAssojubs Servidores Do JudiciárioSintrajus Judiciários da BaixadaSindsaude Baixada Santista, SASP - Sindicato dos Advogados, Sinsprev - Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado de São Paulo, Sindicatos dos Bancários de Santos e Região e Sindicato dos Siderúrgicos e Metalúrgicos da Baixada Santista.

PARABÉNS, AGENTES ADMINISTRATIVOS!!!

O SINTRAJUS parabeniza a todos os Agentes Administrativos - ou melhor os novos Escreventes Técnicos Judiciários - que alcançaram  sua transformação do cargo no processo seletivo e encorajar aos que não atingiram a nota de corte que levantem a cabeça, amanhã é um novo dia para um recomeço, pois outras oportunidades virão. Com certeza, em breve, você Companheiro(a) será um(a) novo(a) Escrevente Técnico(a) Judiciária(a). O SINTRAJUS esteve desde o início na luta pela aprovação do PLC12 (transformação dos cargos de Agentes Administrativos para Escreventes) e continuará junto da Categoria do Judiciário Estadual nas próximas lutas. (Michel Iorio Gonçalves - Coordenador Geral do SINTRAJUS).

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Para enfrentar as novas Guerras Frias








Reflexão poético-política do escritor moçambicano serve de alerta à redução da maioridade penal ao lembrar: vivemos sob uma “Geografia do Medo” que, enquanto não decifrada, exigirá “produzir inimigos e sustentar fantasmas”
 
Por Inês Castilho

“O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.”

As palavras de Mia Couto, nome assumido pelo premiado escritor moçambicano Antônio Emílio Leite Couto em razão de seu amor pelos gatos, soaram alto no silêncio da Conferência Estoril de 2011 – a mesma para a qual Eduardo Cunha foi convidado agora em 2015.

Jornalista militante na guerra de libertação de seu país africano do colonialismo português, biólogo e professor de ecologia na universidade pública de Maputo, seu discurso “Murar o medo” foi lembrado pelo deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) ao se pronunciar, em reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), contra a redução da maioridade penal proposta pelo presidente da Câmara.

“A Guerra Fria esfriou, mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo a Oriente e Ocidente”, diz ele, num vislumbre do futuro. “Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas”, diz Mia Couto na fala.

 E prossegue:

“Vivemos como cidadãos e como espécie em permanente situação de emergência. Como em qualquer outro estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.”

Restrições que servem pra que não se façam perguntas como estas: “Por que motivo a crise financeira não atingiu a indústria do armamento? Por que motivo se gastou apenas no ano passado um trilhão e meio de dólares somente em armamento militar?”

Apontando como causa maior da insegurança do nosso tempo a fome, que atinge uma em cada seis pessoas no mundo e poderia ser superada com “uma fração muito pequena do que se gasta em armamento”, Mia Couto lembra outra violência silenciada.

“Em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante seu tempo de vida” – condenação antecipada pelo fato simples de serem mulheres.

“Sem darmos conta fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar, deixamos de fazer perguntas e discutir razões.”

Cita Eduardo Galeano: “Os que trabalham têm medo de perder o trabalho, os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quando não têm medo da fome têm medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas e as armas têm medo da falta de guerras.”

“Há quem tenha medo que o medo acabe”, conclui.

A direita prática e os conservadores sofisticados



eduardo cunha daniel bin
Por Daniel Bin.*


Em meados dos anos 1950, o sociólogo Immanuel Wallerstein escreveu uma dissertação de mestrado1 em que analisava o papel do macartismo nos conflitos entre dois grandes grupos em que dividia-se a direita política estadunidense. Seu argumento central era que a caça às bruxas promovida pelo senador republicano Joseph McCarthy não visava aos membros do Partido Democrata tampouco aos “comunistas” eventualmente presentes na administração do presidente Harry Truman. Segundo Wallerstein, McCarthy tinha como alvo os “conservadores sofisticados,” os quais o senador por Wisconsin queria ver fora das posições de poder no governo dos Estados Unidos.

Aquele trabalho de Wallerstein partiu da ideia central de que havia dois tipos de conservadores: a direita prática e os conservadores sofisticados. Tais categorias eram inspiradas em C. Wright Mills, que as distinguia de acordo as posições de cada grupo conservador em relação às lideranças de trabalhadores. Os sofisticados acreditavam ser capazes controlar a situação social pela via da manutenção de tais lideranças como aliadas inferiores e na linha de frente dos interesses dos primeiros. Distintamente, os integrantes da direita prática temiam a usurpação de suas prerrogativas de poder em situações desse tipo.2 

 Os práticos tinham uma visão mais estreita das questões econômicas e os sofisticados, uma visão dos interesses das classes proprietárias como um todo.3
Cerca de sessenta anos mais tarde, Wallerstein viria a afirmar que aquela mesma batalha descrita em seu estudo “é a batalha atualmente em curso no Partido Republicano nos Estados Unidos, entre o pessoal do Tea Party e os dirigentes conservadores mais clássicos.”4 Foi o que se observou com mais clareza nas últimas eleições legislativas, em 2014. Naquele momento, mais precisamente nas eleições primárias, os conservadores sofisticados do Partido Republicano conseguiram impedir algumas vitórias de pré-candidatos vinculados ao Tea Party, o que, em seguida, permitiu ao partido conquistar o controle do Senado.5




Immanuel Wallerstein, autor de O universalismo europeu: e retórica do poder. A nova edição da Revista Margem Esquerda, n.24 abre com uma longa entrevista com o pensador, conduzida por Daniel Bin.

Mas se no Hemisfério Norte vemos certa contenção de forças mais reacionárias, ou mesmo algum crescimento de movimentos mais à esquerda, como na Grécia e na Espanha, no Brasil a tendência parece querer tomar sentido oposto. Desde depois das primeiras manifestações de rua de junho de 2013, temos visto a revelação de fenômenos que, se por um lado não podem ser classificados como novidade, por outro, não encontravam até então espaço suficiente para deixar o estado latente. Em 2013 esse espaço começou a se alargar. Após as manifestações de caráter popular, cujo marco é a luta pela redução do preço do transporte público, vieram também manifestações reacionárias e, em certos casos, com coloração fascista.

Coloração essa que voltou a aparecer no início de 2015, quando, em meio a manifestações pelo impeachment da presidenta da República, alguns chegaram a pedir coisas como a volta de uma ditadura militar. De um modo geral, o tom usado pela imprensa conservadora na cobertura dos protestos de 2015 foi de exaltação do seu caráter democrático, o que, contudo, deve ser tomado de forma relativa: balas de borracha disparadas por polícias militares contra manifestantes em 2013 e selfies tiradas por manifestantes junto a policiais militares em 2015 são amostras de como conservadores são capazes de relativizar o conceito de democracia.

As manifestações de 2015 foram em parte embaladas por forças políticas que, ao recorrer a uma retórica estilo Tea Party — há quem diga que Obama é “comunista” — se aproximam de uma versão doméstica daquilo que Wright Mills chamou de direita prática. Essa comparação, claro, deve ser feita com as devidas mediações, mas na retórica, a direita prática daqui padece de suporte lógico tanto quanto a direita prática de lá. Mas para quem opta pela retórica em detrimento da lógica, pouco importa serem de uma mesma classe os que financiam as campanhas de republicanos e democratas ou de tucanos, peemedebistas e petistas. Não obstante, isso importa a quem pauta a ação por uma racionalidade de tipo instrumental, ou seja, aquela com vistas aos fins e nunca com vistas à tradição.6 Mesmo que nos altos círculos das grandes empresas e de suas associações também ocorram tensões entre práticos e sofisticados,7 é no segundo grupo que estão os principais financiadores de campanhas eleitorais.

Tem-se a impressão que enquanto o avanço da direita prática era percebido como restrito a manifestações de rua ou em redes sociais, os conservadores sofisticados não viram nisso tantos problemas. Aliás, isso não deixou de lhes ser útil na medida que tais manifestações serviram para colocar o atual governo brasileiro na defensiva. No entanto, quando esse mesmo contexto ajuda a criar condições objetivas para que o reacionarismo até então latente encontre terreno fértil em instituições como o parlamento, os riscos representados pela direita prática começam a ser percebidos pelos conservadores sofisticados. Tomo como evidência dessa hipótese o conteúdo do editorial da Folha de S. Paulo do penúltimo domingo, dia 14, onde se lê que

“nos tempos de Eduardo Cunha, mais do que nunca a bancada evangélica se associa à bancada da bala para impor um modelo de sociedade mais repressivo, mais intolerante, mais preconceituoso […] Os inquisidores da irmandade evangélica, os demagogos da bala e da tortura avançam sobre a ordem democrática e sobre a cultura liberal do Estado.”

O referido editorial sugere que o atual presidente da Câmara dos Deputados seria a personificação de um conservadorismo que o jornal, contudo, trata de forma genérica ao colocar-se como defensor da “cultura liberal do Estado” agora sob ataque. No entanto, Cunha — e isso vale também para a parcela da Câmara que ele por enquanto controla — representa aquela figura que Wright Mills distinguiu do conservador sofisticado para classificar como direita prática. A sofisticação conservadora aqui aparece, por exemplo, no referido editorial, cuja defesa da “cultura liberal do Estado,” aliás, reforça essa ideia. Seguindo Wright Mills, uma das condições que faz sofisticados os conservadores sofisticados é a capacidade de tomar e usar retórica liberal dominante em favor de seus propósitos.8

Enfim, parece que forças conservadoras do tipo sofisticado começam a se mover diante das potenciais ameaças do avanço da direita prática. Um desses movimentos foi o recuo tucano de levar adiante a tese do impeachment da presidenta da República. Não por reconhecer a legitimidade desta, mas a tese que teimava em não encontrar-se com um fato determinado deu àquela insistência a cor de golpe, e isso é atitude antes de práticos do que de sofisticados. Outro movimento significativo deu-se na semana retrasada, quando o governador de São Paulo esteve em Brasília negociando alternativa ao formato de redução da maioridade penal atualmente em discussão no Câmara dos Deputados. Logo em seguida, no dia 15, em novo editorial a Folha de S. Paulo fez coro à proposta do governador ao opinar que, em vez da redução, “a solução mais sensata é a de reformar o [Estatuto da Criança e do Adolescente].”
São esses os movimentos, especialmente o editorial que trata “[d]os tempos de Eduardo Cunha,” que agora surgem como sinais do convencimento, por parte dos conservadores sofisticados, de que se quiserem voltar ao poder em 2018, uma de suas tarefas será a contenção do ímpeto obscurantista da direita prática. Mas aqui o termo contenção não deve ser lido como sinônimo de enfrentamento. Poucos têm sido tão úteis aos conservadores sofisticados contra os seus potencias maiores adversários — os quais são inseparáveis do atual governo — em 2018 do que a parcela da direita prática agora reunida em torno de Eduardo Cunha. Outro problema, para os conservadores sofisticados, será resolver a divisão que já se anuncia dentro da sua maior força partidária, mas este é um problema antigo.


 NOTAS

1.
 Immanuel Wallerstein. 1954. McCarthyism and the conservative. Masters essay. New York: Columbia University.
2.  C. Wright Mills. 1948. The new men of power, Americas labor leaders. New York: Harcourt, Brace.
3. C. Wright Mills. 1956 [2000]. The power elite. New York: Oxford University Press.
4. Gregory P. Williams. 2013. “Retrospective on the origins of world-systems analysis“. Journal of World-Systems Research, v. 19, n. 2.
5. Daniel Bin. 2015. Entrevista: Immanuel Wallerstein. Margem Esquerda: Ensaios Marxistas, n. 24.
6.  Max Weber. 1922 [1964]. Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. México: FCE.
7. C. Wright Mills. 1956 [2000]. The power elite. New York: Oxford University Press.
8. Idem.



 Daniel Bin é professor de políticas públicas na Universidade de Brasília. Doutor em sociologia pela mesma universidade, com estágio de doutorado na Universidade de Wisconsin-Madison, realizou estágio pós-doutoral na Universidade Yale. Dele, leia também A financeirização da democracia brasileira, A (in)visibilidade da luta de classes nas Jornadas de Junho,  “Uma pessoa, um voto”, ou “um real, um voto”?